Startup submete primeiro projeto brasileiro de crédito de carbono por reciclagem

Green Mining busca abrir mercado bilionário com foco na valorização de catadores e economia circular

Startup submete primeiro projeto brasileiro de crédito de carbono por reciclagem

Enquanto 26 milhões de toneladas de materiais recicláveis são descartadas todo ano no Brasil, uma empresa encontrou a receita para converter esse desperdício em R$ 2,8 bilhões anuais. A Green Mining submeteu à certificadora Gold Standard o primeiro projeto brasileiro de crédito de carbono baseado em reciclagem. A iniciativa aguarda validação e aprovação da plataforma certificadora, com expectativa de que os créditos estejam disponíveis para comercialização em cerca de seis meses.

O projeto é baseado no programa Estação Preço de Fábrica e inclui cinco das nove unidades da empresa – centros de recebimento que pagam aos catadores o valor dos materiais recicláveis, sem intermediários. Com um potencial de geração de 13.445 toneladas de CO2 equivalente por ano, a proposta pode render cerca de R$ 2,6 milhões anuais em créditos de carbono. “Estamos abrindo um caminho para que investimentos sejam direcionados à economia circular no Brasil”, afirma Rodrigo Oliveira, CEO da Green Mining.

O momento da iniciativa coincide com a proximidade da COP30 em Belém e a crescente pressão por soluções para os efeitos das mudanças do clima. Segundo o Global Resources Outlook de 2019, mais de 50% das emissões de gases de efeito estufa provêm da extração e processamento de materiais, um dado que coloca a economia circular no centro das estratégias para enfrentar o aquecimento global. “O crédito de carbono vai ser a forma de viabilizar o financiamento climático”, avalia Oliveira.

Potencial bilionário

Os números revelam um potencial econômico desperdiçado. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2023, foram recicladas apenas 824 mil toneladas de materiais no país – 5,5% do potencial de reciclagem.

Esse volume poderia gerar R$ 144 milhões anuais em créditos de carbono. Se o Brasil reciclasse 100% das 26 milhões de toneladas de materiais recicláveis descartados anualmente, o potencial chegaria a R$ 2,8 bilhões por ano, usando as metodologias da Gold Standard. O projeto da Green Mining prevê a geração de 260 mil toneladas de créditos de carbono ao longo de 20 anos.

O mercado global demonstra a viabilidade do modelo. Na Gold Standard, a iniciativa pioneira foi desenvolvida pela empresa romena GreenTech, que se tornou a primeira recicladora na Europa certificada para emissão de créditos de carbono por reciclagem de PET. O empreendimento tem capacidade de gerar aproximadamente 453.000 créditos de carbono no mercado voluntário ao longo de 10 anos, com reduções anuais estimadas em 45.380 toneladas de CO2.

A GreenTech processa 100.000 toneladas de plástico por ano, produzindo flocos de PET reciclado, cintas de PET e granulado de PET utilizados nos setores automotivo, de construção e na fabricação de produtos de higiene e filtros.

Chile, Indonésia e Nepal têm projetos submetidos na Gold Standard, enquanto na certificadora Verra, que detém 97% das certificações brasileiras ao lado da Gold Standard, a maioria das iniciativas aprovadas de reciclagem vem da China.

O Brasil enfrenta baixos índices na gestão de resíduos. Com apenas 5,5% de taxa de reciclagem, o país desperdiça volumes de materiais que poderiam retornar à cadeia produtiva. Desde 2021, as Estações Preço de Fábrica realizaram mais de 118 mil entregas, atendendo mais de 6 mil pessoas e pagando mais de R$ 5,6 milhões aos catadores, processando 5,8 mil toneladas de materiais.

“Ainda desperdiçamos volumes de resíduos destinados incorretamente, além da desvalorização dos catadores de materiais recicláveis”, observa Oliveira. O problema persiste mesmo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em vigor há 15 anos.

Mitigação versus remoção de carbono

Os créditos de carbono da reciclagem funcionam de forma diferente dos créditos florestais. Enquanto as florestas capturam e removem carbono da atmosfera, a reciclagem gera créditos pela mitigação, ou seja, ao evitar emissões que ocorreriam na extração de matérias-primas virgens.

“Quando a gente recicla uma tonelada de PET e coloca uma tonelada de material reciclado no mercado, não foi necessário tirar uma tonelada de petróleo”, explica Oliveira. “Toda vez que eu reciclo, eu reduzo a extração de recursos naturais”, diz.

Cada material reciclado tem um fator de mitigação diferente. O alumínio é o mais eficiente – sua reciclagem utiliza apenas 5% da energia necessária para a produção a partir da bauxita, evitando 95% das emissões associadas. “A reciclagem tem uma vantagem sobre outros tipos de crédito”, destaca o empreendedor. “Quando o material é reciclado e vendido, a extração natural é evitada na hora. Não é preciso esperar 30 anos como na floresta”, explica.

Além disso, o projeto inclui componentes de justiça social. As Estações Preço de Fábrica pagam de 400% a 500% mais do que o valor tradicionalmente recebido pelos catadores, permitindo que sua renda passe de uma média de R$ 480 mensais para R$ 2.000 a R$ 2.500.

Com os créditos de carbono aprovados, a empresa planeja repassar parte dos recursos aos catadores. “Se hoje pagamos 65 centavos pelo vidro transparente, vamos pagar 65 centavos mais 10 centavos referente ao crédito de carbono, por exemplo”, argumenta Oliveira.

O projeto das cinco estações tem potencial de gerar 268 mil toneladas de CO2 equivalente em 20 anos, representando R$ 51,7 milhões. Cada nova estação pode ser incluída em projetos futuros, ampliando o potencial do mercado. Com isso, o Brasil pode diversificar seu portfólio de créditos de carbono, tradicionalmente focado em projetos florestais, e incluir a reciclagem como fonte de mitigação de emissões.