Do pasto degradado à floresta em pé: a re.green transforma áreas usadas pela pecuária em ecossistemas complexos — e prova que esse negócio pode ser lucrativo. A startup brasileira foi escolhida como uma das 15 finalistas do EarthShot Prize 2025, um dos mais prestigiosos prêmios ambientais do mundo, criado pelo Príncipe William, que distribuirá 1 milhão de libras para cada um dos cinco vencedores na cerimônia de novembro, no Rio de Janeiro.
Desde 2021, a empresa plantou mais de 6 milhões de mudas em 30 mil hectares na Mata Atlântica e na Amazônia, combinando inteligência artificial, dados de satélite e ciência de ponta para fazer a restauração florestal ganhar escala industrial.
Nesta entrevista, o CEO Thiago Picolo revela os bastidores de construir não apenas uma empresa, mas um setor inteiro dedicado a recuperar florestas no Brasil. Leia abaixo:
Em que estágio está a re.green?
A Re.green surgiu como ideia em 2020 e 2021, e começou a se tornar uma empresa em meados de 2021. Eu entrei no final daquele ano, e anunciamos nossa primeira captação de 79 milhões de dólares em março de 2022. Desde então, a empresa evoluiu significativamente. Hoje temos aproximadamente 37 mil hectares de áreas nos dois biomas, tanto na Mata Atlântica quanto na Amazônia, através de compras de fazendas de pecuária de baixa produtividade e também arrendamentos e parcerias com proprietários.
Evoluímos muito na operação, na certificação — temos dois projetos já aprovados na Verra, a maior certificadora de créditos de carbono do mercado voluntário global — e no aspecto comercial, com três contratos de grande porte com empresas como Microsoft e Nestlé. Estamos chegando em uma parte interessante: a primeira emissão de créditos. Fizemos a primeira medição oficial em maio deste ano e esperamos gerar o primeiro crédito para a Microsoft no primeiro trimestre do ano que vem. A empresa começa a fechar um ciclo operacional de cabo a rabo. A fase agora é como fazemos mais, mais rápido, em mais lugares.
Diversos projetos de crédito de carbono no Brasil foram implementados de forma controversa. O que diferencia a re.green de outras empresas?
Primeiro, o tipo de projeto. A maioria dos projetos de carbono no Brasil são de preservação da floresta em pé, uma atividade importante, mas que devido às suas regras e à atuação de alguns players não idôneos, acabou sendo manipulada. Atuamos em restauração de florestas, prática em que isso é muito mais difícil de acontecer, porque partimos de uma área que é um pasto, ela não tem nada. O crédito de carbono será emitido todos os anos, de acordo com o crescimento da floresta naquele momento.
Outro diferencial é o embasamento na ciência. Entre nossos fundadores, temos dois dos cientistas brasileiros mais citados no mundo: Bernardo Strassburg e Pedro Brancalião. Temos hoje, em uma empresa de 100 pessoas, 14 PhDs. Sempre colocamos a ciência no centro.
O terceiro diferencial é que, tradicionalmente, a restauração de florestas é feita em pequena escala, muitas vezes com capital filantrópico. Temos uma visão de fazer isso em escala massiva, ser uma companhia com fins lucrativos que faz trabalho de alta qualidade e tem uma marca para zelar. Essa progressão exponencial é o que precisamos para resolver o problema da crise climática global.
Como vocês enxergam a relação entre restauração e preservação?
São estratégias altamente complementares. Para termos o sucesso que queremos, precisamos operar em um contexto em que as florestas primárias não estão sendo desmatadas, porque senão a nossa operação será como enxugar gelo. Temos a noção clara de que estamos construindo uma companhia, mas, ao mesmo tempo, estamos ajudando a construir um setor. Estamos criando uma empresa em um mercado que também está sendo criado. Não vamos ter sucesso sozinhos. Ou teremos sucesso como parte de um setor que deu certo, ou, se nada disso der certo, não tem como darmos certo sozinhos.
Como a tecnologia acelera o trabalho da re.green?
De várias formas. Um exemplo é o uso de imagens de satélite junto com algoritmos para determinar os hotspots de restauração no Brasil. Lugares com a melhor combinação de fatores: disponibilidade de terra a preço razoável, chuva boa, presença de fragmentos florestais, portanto boa curva de crescimento.
Temos também uma plataforma na nuvem na qual um proprietário interessado faz o upload de um arquivo com as coordenadas da área. A partir disso, usando inteligência artificial, conseguimos entender quanto tem de área restaurável, como é o entorno, quais métodos usar, quanto custaria, qual é a curva de carbono esperada. Fazemos checagens para ver se tem sobreposição com área indígena, quilombola, terra pública, se teve desmatamento recente.
Outro exemplo é o uso de drones. Quando começamos, em 2021, nenhum modelo tinha drones como prescrição. Hoje usamos drones para tudo: jogar sementes, fertilizantes, monitorar a floresta. Isso trouxe um barateamento e uma capacidade de escala brutal.
Como é a relação com os proprietários rurais?
Boa parte das áreas que compramos eram de pecuária com proprietários ausentes, que não estavam gerando retornos financeiros interessantes. Desde novembro do ano passado, começamos a assinar as primeiras parcerias. Em vez de comprar a terra, pegamos um proprietário que está trabalhando e arrendamos ou fazemos parceria em parte da terra dele, para que ele consiga ter duas receitas: a da pecuária, focando nas áreas mais produtivas, e a receita do carbono, que geramos e dividimos com ele, em áreas que talvez nem tenham vocação para ser pasto. É uma relação de poder complementar a renda, melhorando a produtividade da pecuária e liberando áreas para as florestas.
Qual é a expectativa quanto à COP30, em Belém?
Estou animado porque ela se chama “COP da implementação”. Três anos atrás, nós vendíamos uma ideia na COP. Hoje, estamos vendendo uma realidade. Minha expectativa é que consigamos alavancar isso em negócios concretos, novos contratos, outras empresas que possam vir trabalhar conosco, bancos e fundos que tenham interesse em investir.
O que representa ser finalista do EarthShot Prize?
Representa muito. Primeiro, a visibilidade para o nosso setor. É um holofote que tende a trazer atenção e outros atores para a cena. Segundo, traz oportunidades comerciais e financeiras. Grandes multinacionais que passam a ter interesse em patrocinar nossos projetos, provedores de capital, bancos, fundos. Em terceiro, tem um lado de orgulho e reconhecimento quase pessoal. Não é fácil fazer o que estamos fazendo. Tem muito pioneirismo, muito caminho que não está bem trilhado. Ter esse reconhecimento é uma recompensa grande para todo mundo que trabalha conosco.
Além da re.green, o TFFF, proposta brasileira para remunerar países que mantêm florestas em pé, também é finalista do EarthShot. Qual é a importância de ter dois finalistas brasileiros na mesma categoria?
De certa forma, o TFFF também entra nessa lógica de fazer com que florestas já existentes tenham um valor. Ficamos muito orgulhosos pela representação nacional. O Brasil é considerado um powerhouse global de natureza e negócios verdes. Agora, uma coisa é você ter o potencial de ser líder, outra é de fato ser. O EarthShot reconhece coisas que já existem, que já comprovaram seu modelo e têm potencial de escalar de forma exponencial. Isso ajuda a sedimentar essa posição de líder global em soluções verdes.