Adaptação climática pode criar empregos e reduzir desigualdades, diz Élcio Batista

Investimentos em infraestrutura e novas tecnologias podem transformar a resposta à crise climática em estratégia de desenvolvimento.

Élcio Batista em entrevista à IstoÉ

A adaptação às mudanças do clima costuma ser vista como uma conta a pagar: obras caras, reforço de infraestrutura e aumento de gastos públicos. Para Élcio Batista, coordenador do programa Cidade +2°C do Centro de Estudos das Cidades do Laboratório Arq.Futuro, do Insper, esse olhar é limitado. Em entrevista ao IstoÉ Sustentável, Batista destacou como a necessidade de adaptação pode se tornar um motor de inovação, abrir novos mercados e até ajudar a corrigir desigualdades históricas no Brasil.

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Inovação e novos mercados

“O que a transição energética gerou em termos de negócios, a adaptação também pode gerar”, disse Batista. Ele lembrou que, há 25 anos, o país tinha presença praticamente nula em energia eólica. Hoje, o setor está consolidado, com empresas nacionais e estrangeiras investindo em parques de geração renovável, além da expansão da energia solar e das discussões em torno do hidrogênio verde. Essa trajetória, observou, mostra como um desafio pode se transformar em oportunidade de desenvolvimento econômico.

No caso da adaptação, Batista destacou que o campo de inovação é amplo: cidades mais resilientes exigem novos processos de engenharia, materiais mais resistentes a extremos climáticos, tecnologias de drenagem avançadas, sistemas de monitoramento de riscos e soluções de habitação pensadas para contextos tropicais. Cada uma dessas demandas movimenta universidades, centros de pesquisa, startups e empresas. O resultado é a criação de empregos, a abertura de mercados e a geração de riqueza.

Ele também chamou atenção para a necessidade de “tropicalizar” as soluções. Muitos métodos e materiais usados no Brasil foram importados de outros países, como Europa e Estados Unidos, mas nem sempre se ajustam às especificidades locais. Adaptar tecnologias às condições brasileiras, argumentou, pode reduzir custos, aumentar a eficácia das intervenções e fortalecer a autonomia nacional no desenvolvimento de soluções. “Repensar a adaptação é também repensar modelos e regionalizar mais”, afirmou.

Essa lógica, segundo Batista, aproxima a adaptação climática de uma agenda de desenvolvimento. Não se trata apenas de preparar cidades para resistir a chuvas intensas, secas prolongadas ou deslizamentos. Trata-se de aproveitar a urgência climática como catalisador de inovação tecnológica e de reorganização produtiva. É uma oportunidade, disse, de colocar o Brasil na vanguarda de soluções tropicais aplicáveis não apenas em seu território, mas também em outros países do Sul Global que enfrentam desafios semelhantes.

Justiça climática como princípio

Batista observou que o impacto da adaptação vai além da economia. Ao priorizar investimentos, afirmou, o Brasil pode enfrentar um problema crônico: a desigualdade social. Para ele, a justiça climática deve ser um princípio orientador dessa agenda. “Justiça climática é olhar para os mais vulneráveis e preparar primeiro essas áreas, porque é nelas que o impacto pode ser ainda maior”, explicou.

Na entrevista, ele destacou que grande parte da população brasileira vive em bairros construídos em áreas frágeis, sem saneamento básico ou infraestrutura adequada. Casas erguidas em terrenos instáveis ou em áreas de risco são as primeiras a sofrer com enchentes, ventos fortes e deslizamentos. Resolver essas carências históricas significa, ao mesmo tempo, reduzir riscos de tragédias e oferecer dignidade às pessoas que vivem em condições precárias.

Nesse sentido, afirmou Batista, a adaptação também é uma forma de corrigir problemas não resolvidos ao longo do século XIX e XX. Questões históricas podem ser enfrentadas dentro de uma estratégia climática mais ampla. Ao colocar esses territórios como prioridade, a política de adaptação se torna, também, política de inclusão social.

Ainda, Batista destacou que investir em adaptação pode ser caro, mas não agir custa muito mais. Segundo a Global Commission on Adaptation, cada dólar aplicado em prevenção pode gerar até quatro dólares em benefícios, evitando perdas humanas e prejuízos econômicos. Esse é o dado que, em sua avaliação, transforma a adaptação de um gasto inevitável em uma oportunidade estratégica para o Brasil.