Artigo escrito por Alexandre Mansur, jornalista e diretor de projetos do Mundo Que Queremos
Caviar, Foie gras, trufas. O leitor pode nunca ter provado nenhuma dessas iguarias, mas, ao ler as palavras, a mente quase instantaneamente forma a imagem de pratos sofisticados, que compõem o imaginário de uma vida de luxo. São ingredientes selecionados, que estão ao alcance de parcela específica da população, e encontrados em cardápios de restaurantes renomados mundo afora. E, mesmo tão exclusivos, são mundialmente conhecidos, desejados e famosos pela atribuição de valor que detém.
É assim, o luxo perpassa nossas percepções. Sempre apontou tendências. É ele que, paulatinamente, dita o que tem valor, o que merece ser preservado, cultivado e celebrado. Durante muito tempo, luxo foi sinônimo de exclusividade, escassez e consumo. Mas hoje, em tempos de mudanças climáticas, ele começa a ser redefinido: o novo luxo é o que cuida da origem, do processo e da relação com o planeta.
Essa é a mensagem de mudança de paradigma que ecoa em Trancoso, na Bahia, palco da sexta edição do Organic Festival, um dos encontros mais genuínos entre alta gastronomia, cultura e consciência ambiental do país. Entre os dias 29 de outubro e 2 de novembro, o vilarejo irá reunir dezenas convidados renomados, entre chefs, ambientalistas, artistas, empresários e produtores, para discutir o futuro da alimentação e do turismo em um mundo em transformação.
Criado pelo UXUA Casa Hotel & Spa e pelo consultor de gastronomia Charles Piriou, o festival nasceu do desejo de ir além da difusão do turismo consciente. Tornou-se, ao longo dos anos, um espaço de reflexão, onde a paisagem paradisíaca de Trancoso se entrelaça à urgência do nosso tempo: repensar a relação entre homem e natureza, entre produção e exploração, entre luxo e responsabilidade. “Reunimos pessoas que acreditam em um novo modelo de turismo e de gastronomia: mais consciente, mais conectado com a natureza, mais verdadeiro. Ninguém vem por acaso. Todos compartilham valores, causas e o desejo de construir algo maior juntos”, diz Charles Piriou, cofundador do festival.
A programação é aberta e transformadora. Entre as propostas, chefs de cozinha se unem para criar menus e experiências com ingredientes selecionados. Mas, nesse contexto, a seleção e o sabor são atribuídos também pelo sistema produtivo que originou os ítens: cada prato conta uma história de cultivo que respeita o solo, a água e as pessoas, a vida. “O Organic Festival Trancoso propõe uma agenda sensorial, onde a gastronomia se cruza com a arte, o ativismo com o afeto, e o turismo com o pertencimento. Tudo isso com um objetivo comum: imaginar juntos um futuro possível – mais justo, mais consciente, mais bonito”, conta Bob Shevlin, cofundador do UXUA e do festival.
Lançadores de tendências, a opção por ingredientes cultivados de forma regenerativa, orgânica, sustentável, é uma mensagem clara ao mercado sobre a importância de olhar para a cadeia produtiva que sustenta aquilo que é comercializado. É uma abordagem que está preocupado com a integralidade do consumo, principalmente sobre como ele se relaciona com a terra e as pessoas.
Nessa ação de vanguarda, o setor mais moderno do agronegócio brasileiro entra em ação, em diálogo direto com a alta gastronomia e as tendências do mercado. A Frente Empresarial para a Regeneração da Agricultura (FERA) participa desta edição com uma palestra sobre agricultura regenerativa, conduzida por Gilberto Terra, integrante do comitê fundador da Frente.
Engenheiro florestal com trajetória ligada à inovação e à sustentabilidade no campo, Gilberto representa uma geração de agricultores e empresários que acreditam que o futuro do agronegócio brasileiro passa pela reconexão com a natureza. “Agricultura regenerativa significa garantir alta rentabilidade, segurança em períodos de eventos climáticos e produzir devolvendo fertilidade, diversidade e vida ao solo”, diz. “Isso não é apenas bom para o planeta, como é também economicamente inteligente para o agricultor.”
A agricultura regenerativa une ciência e tradição para recuperar a saúde do solo, aumentar a infiltração de água, reduzir emissões e fortalecer a produtividade mesmo em períodos de seca ou calor extremo. Por meio de práticas como plantio direto, cobertura permanente do solo, diversificação de culturas e integração lavoura-pecuária-floresta, a agricultura regenerativa melhora a fertilidade, captura carbono e aumenta a resiliência das propriedades frente às mudanças climáticas. É uma agricultura de futuro, que dá estabilidade à cadeia alimentar, menos custos e qualidade superior ao alimento que chega ao consumidor.
Ao integrar o Organic Festival, a FERA ajuda a traduzir para o público o elo invisível entre o campo e a mesa, mostrando que sustentabilidade não é um conceito abstrato, mas um ciclo virtuoso que começa no campo e termina no prato. E que para que sistemas sustentáveis não sejam um luxo exclusivo, é preciso investir em acesso à crédito, incentivos fiscais, pesquisas e visibilidade aos produtos regenerativos.
Em Trancoso, a alta gastronomia e a agricultura regenerativa se encontram para lançar holofotes sobre o fato de que o futuro da vida depende do futuro do solo e que o verdadeiro requinte está em produzir sem esgotar, em consumir sem desperdiçar. Nisto consiste o sabor: luxo é cuidar da Terra.