A implementação do Acordo de Paris é uma das prioridades das negociações climáticas na COP30, mas enfrenta obstáculos estruturais para que medidas práticas saiam do papel. Para a cientista brasileira Thelma Krug, ex-vice-presidente do IPCC, um dos principais desafios é o financiamento climático, e a forma como os recursos são atualmente destinados no mundo revela uma profunda inconsistência diante da urgência climática.
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“Muitos países ainda financiam essa parte de combustíveis fósseis. É uma quantidade enorme de dinheiro. Muito maior do que a gente teria em vista para financiar anualmente as ações de mitigação e adaptações necessárias, que hoje a ciência identifica como algo em torno de 5 trilhões de dólares anuais”, afirmou Krug em entrevista ao IstoÉ Sustentável.
“Ou seja, o financiamento que é feito para apoiar os combustíveis fósseis é mais do que isso. Então, se existisse um entendimento de que poderíamos canalizar esses recursos para outra causa, isso seria interessante.”
A cientista também comentou o aumento dos gastos com defesa e armamentos, que, segundo ela, aprofundam ainda mais o desequilíbrio na distribuição global de recursos.
“Agride muito os cientistas quando a gente vê a enorme quantidade de recursos que estão sendo canalizados para guerras e, agora, para defesa, que na verdade mina ainda mais aquela já difícil capacidade de buscar a quantidade de recursos necessários para a implementação das ações”, disse.
Apesar de reconhecer que implementar não se resume a financiamento, Krug reforçou que identificar os caminhos possíveis, e o que cada um deles exige, é essencial. “Implementação não é só dinheiro, mas, se depender de dinheiro, como é que a gente pode buscar isso?”, questionou.
Ainda assim, a cientista ressaltou que a existência do Acordo de Paris foi fundamental para criar uma base comum de atuação entre os países. “Se nós não tivéssemos o Acordo de Paris, eu acredito que nós não teríamos avançado tanto quanto avançamos até agora. Ainda não suficientemente, mas é reconhecido o avanço que se conseguiu fazer de uma maneira global”, avaliou.
Ela destacou que o acordo não se limita à meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C. “Ele também foca em temas como justiça climática, equidade, desenvolvimento sustentável, resiliência, adaptação. Há um campo muito amplo de ações que são perseguidas ao longo do tempo”, explicou.
A cada cinco anos, os países submetem suas metas nacionalmente determinadas (NDCs), mas ainda enfrentam barreiras significativas, sobretudo os países com contextos sociais, econômicos e tecnológicos mais vulneráveis. “É complexo. Há uma diferenciação muito grande entre os países”, afirmou.
Com 196 países-membros, a Convenção do Clima exige decisões consensuais nas COPs, o que significa que todas as nações precisam concordar com os termos debatidos. “A gente não fala só de dinheiro e de financiamento, mas também da necessidade que os países desenvolvidos, em particular, apoiem os países em desenvolvimento mais vulneráveis pela falta de tecnologia e pela falta de capacitação”, observou.
Como exemplo de um tema que só recentemente começou a ganhar espaço nas negociações, Krug citou os oceanos. “O oceano é um tema muito novo dentro da convenção. Ele foi citado no texto da convenção de uma maneira muito vaga. De forma concreta, como entram, por exemplo, as florestas, o oceano nunca tinha entrado”, afirmou.
Segundo ela, a Década do Oceano tem impulsionado a identificação de ações específicas ligadas ao tema, desde perdas e danos até a melhoria de dados e modelos. Algumas dessas medidas são mais simples e podem ser coordenadas com rapidez, enquanto outras são mais complexas e exigem grandes investimentos. Em ambos os casos, o desafio está em transformar promessas em prática.