Amazônia enfrenta escalada inédita de temperaturas extremas em áreas preservadas

Estudo mostra que mudanças climáticas colocam em risco mesmo áreas de floresta sem desmatamento

Amazônia enfrenta escalada inédita de temperaturas extremas em áreas preservadas

Em setembro do ano passado, o biólogo Cássio Alencar Nunes foi surpreendido ao sair para uma pesquisa de campo no Parque Nacional do Jaú, no estado do Amazonas. Seu objetivo era gravar os cantos de aves para estimar o tamanho da população de algumas espécies. Logo cedo, então, ele e colegas já estavam de gravador em punho no meio do parque. Mas às 7h, em vez de ouvir a algazarra tradicional da floresta ao amanhecer, o que eles escutaram foi o silêncio. Nada de pássaros, nem insetos, nem nada.

Ao medir a temperatura do local, ele encontrou uma possível explicação: temperaturas acima de 30°C, incomuns para o horário (o normal seria entre 24°C e 25°C). “A gente se assustou. Tava muito silêncio mesmo, muito diferente. Os bichos deviam estar realmente estressados com aquele calor, com aquela seca”, contou à Agência Pública. Estava tudo quieto como se fosse meio dia, quando o ar quente e abafado faz a bicharada se recolher, poupando energia. De manhãzinha, porém, é de se esperar uma sinfonia. Não naqueles dias.

O pesquisador tinha planejado sua expedição para meados do mês de setembro, contando que a temporada seca naquela região já estaria terminando, com a chegada das primeiras chuvas, o que faria com que os passarinhos estivessem mais ativos. Mas no ano passado, o clima na Amazônia foi totalmente atípico.

Uma seca histórica e prolongada, com temperaturas bem mais elevadas que o normal, levou a um recorde de queimadas. Para toda a Amazônia, foi o segundo ano consecutivo de seca extrema – um quadro agravado pelas mudanças climáticas, segundo análises científicas.

Diversas pesquisas lançadas nos últimos anos vêm alertando que a combinação de desmatamento com o aquecimento global tem deixado a Amazônia, uma floresta tropical úmida, muito mais inflamável. Mas um novo estudo, ao qual a Pública teve acesso antecipado, mostra que a mudança do clima está fragilizando até mesmo locais onde a floresta ainda está bastante preservada.

Amazônia aquece duas vezes mais rápido nas temperaturas extremas do que na média global

Particularmente a região onde Nunes tentava escutar os pássaros, no centro-norte da Amazônia, enfrenta uma escalada inédita de temperaturas extremas. É o que mostra a pesquisa realizada por um grupo de 53 cientistas do Brasil e do exterior que avaliou a evolução das temperaturas e de índices como a secura do ar e o déficit de água da floresta em toda a bacia amazônica entre 1981 e 2023.

O trabalho, financiado pelo WWF, aponta que os impactos do aquecimento global podem ser mais bem observados quando se olha para as ocorrências de extremos de temperatura na Amazônia, que cresceram mais rapidamente que o padrão médio de aumento da temperatura – normalmente o indicador mais considerado em estudos sobre a Amazônia.

O padrão médio é o que se leva em conta quando os cientistas falam, por exemplo, que o planeta já aqueceu mais de 1,2°C desde a Revolução Industrial. Mas é nos extremos, com aquecimentos muito maiores que isso, onde ocorrem os maiores impactos para as pessoas e para a natureza.