Entidades do terceiro setor ligadas ao meio ambiente e à ciência repudiaram nesta quinta-feira, 17, a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de um projeto que relaxa as regras de licenciamento ambiental no Brasil.
Para as instituições, o texto aprovado por 231 parlamentares se opõe à agenda prometida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que terá 15 dias para sancioná-lo ou vetá-lo, e ao discurso de um país que se prepara para sediar a COP30, conferência climática da ONU (Organização das Nações Unidas), em novembro.
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‘Desmonte ambiental’
Para o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o projeto de lei “desmonta os pilares do licenciamento ambiental e enfraquece a capacidade do Estado de prevenir danos ao meio ambiente”
“A decisão pode gerar efeitos duradouros: aumento do desmatamento, ataque aos direitos de comunidades indígenas e tradicionais, maior exposição a tragédias ambientais e o enfraquecimento da credibilidade internacional do Brasil em temas climáticos”, concluiu.
A ONG (Organização Não Governamental) Conectas Direitos Humanos afirmou que o PL “enfraquece a participação de órgãos técnicos, populações afetadas e instituições de fiscalização“, “abre caminho para a anistia de empreendimentos ilegais” e “ignora completamente a crise climática”.
Em manifesto, SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) disse que a legislação “fere acordos internacionais e representa uma afronta à ciência produzida no Brasil e no mundo“, pode aumentar emissões de carbono e ameaça unidades de conservação, povos indígenas e áreas ambientais fragilizadas.
O Observatório do Clima chamou o texto de “maior retrocesso ambiental desde a ditadura militar” e sugeriu contestação no STF (Supremo Tribunal Federal), que poderá ser provocado a julgar sua constitucionalidade.
Marcio Astrini, secretário executivo da entidade, afirmou que a decisão de sancionar ou vetar o texto também colocará Lula sob escrutínio. “O presidente diz que o Brasil vai liderar a agenda ambiental pelo exemplo. O veto do PL 2.159, às vésperas da COP30 [conferência climática global que será sediada em Belém (PA), em novembro], é a oportunidade para transformar o discurso em prática”.
Ainda nas eleições de 2022, o petista prometeu liderar uma articulação internacional pelo meio ambiente, mas tem dado sinais ambíguos desde o início do mandato.
Em campanha pela exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, Lula se opôs à ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, e pressionou publicamente o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) a autorizar pesquisas da Petrobras na região.
Além da ambiguidade demonstrada pelas próprias posições, o mandatário enfrenta seu período de maior dificuldade na relação com o Legislativo, contexto que pode transformar o veto em um novo ponto de desgaste.

Marina Silva e Lula se abraçam: relação entre ministra e presidente não é tão harmônica | Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Veja os principais pontos do projeto
Mineração fora de disposições do Conama
O projeto aprovado na Câmara retira a prevalência das disposições do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para os licenciamentos de atividades ou de empreendimentos minerários de grande porte e/ou de alto risco. Dessa forma, o setor passa a seguir o que está previsto na nova lei de licenciamento.
Cria a Licença Ambiental Especial (LAE)
Elaborada no Senado, a LAE constitui um procedimento monofásico para a obtenção de uma licença, ou seja, um rito único com todas as etapas e previsão de prioridade para a emissão de anuências necessárias ao licenciamento. A licença especial se dará para projetos previamente listados pelo Executivo. O processo deve respeitar o prazo de um ano. Na prática, a nova categoria servirá, por exemplo, para destravar a prospecção de petróleo pela Petrobras na Foz do Amazonas, bandeira do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e de boa parte da bancada da região Norte no Congresso.
Nacionaliza a Licença Ambiental por Compromisso (LAC)
Existente em alguns Estados, a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) permite que o solicitante encaminhe pela internet a documentação exigida em lei para a avaliação da atividade sob o parâmetro ambiental. A nova lei de licenciamento prevê que o LAC pode ocorrer se forem atendidas quando a atividade ou o empreendimento for de pequeno ou de médio porte e, simultaneamente, de baixo ou médio potencial poluidor.
Cria a Licença Ambiental Única (LAU)
O projeto cria a modalidade de licença que, em uma única etapa, atesta a viabilidade da instalação, da ampliação e da operação de atividade ou de empreendimento, aprova as ações de controle e monitoramento ambiental e estabelece condicionantes ambientais para a sua instalação e operação e, quando necessário, para a sua desativação.
Permite renovação automática de licença online
O texto permite a renovação automática da licença ambiental para a atividade ou de empreendimento caracterizado como de baixo ou médio potencial poluidor e pequeno ou médio porte. A licença poderá ser renovada por igual período, a partir de declaração eletrônica do empreendedor que atende o atendimento de algumas exigências: não tenham sido alterados o porte da atividade ou do empreendimento, nem as suas as características; não tenha sido alterada a legislação ambiental aplicável à atividade ou ao empreendimento; tenham sido cumpridas as condicionantes ambientais aplicáveis ou, se ainda em curso, estejam sendo cumpridas conforme o cronograma aprovado pela autoridade licenciadora.
Retira necessidade de licenciamento para atividades agropecuárias
O projeto estabelece que não estão sujeitos a licenciamento ambiental as atividades de: cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; pecuária extensiva e semi-intensiva; pecuária intensiva de pequeno porte; pesquisa de natureza agropecuária, que não implique risco biológico e com autorização prévia de órgãos competentes. Para se livrarem do licenciamento, basta que o imóvel esteja regular com registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou tenha firmado termo de compromisso próprio para a regularização de déficit de vegetação em reserva legal ou em área de preservação permanente.
Dispensa licenciamento para obras de saneamento
O projeto dispensa do licenciamento ambiental as obras para os sistemas e as estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, até o atingimento das metas de universalização da Lei do Saneamento Básico. Também prevê que a autoridade ambiental competente deve assegurar procedimentos simplificados e prioridade na análise para o licenciamento ambiental de projetos relacionados ao saneamento e à segurança energética nacional, desde que previstos e contratados no planejamento e nas políticas energéticas nacionais.
Institui prazos para órgãos ambientais efetuarem licenciamentos
O projeto prevê o prazo de 10 meses para a licença prévia mediante apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima); seis meses para a licença prévia em projetos que têm previsão legal para apresentar estudo simplificado; três meses para Licença de Instalação (LI), Licença de Operação (LO), Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e Licença de Operação Corretiva (LOC); e quatro meses para licenças pelo procedimento bifásico em que não se exija EIA. Além disso, prevê o prazo de 30 dias e prorrogação por 15 dias para que as autoridades envolvidas se manifestem sobre o Termo de Referência (TR), a partir do recebimento de solicitação da autoridade licenciadora.
Aumenta pena para operação sem licença
O projeto estipula pena de seis meses a dois anos, ou multa, para quem construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais. Nas regras vigentes anteriormente, a pena prevista é de detenção de um a seis meses.
Derruba artigo sobre ações imediatas a desastres
O relator acatou uma emenda que derruba um artigo que previa que, em caso de situação de emergência ou de estado de calamidade pública, ações de resposta imediata ao desastre poderiam ser executadas independentemente de licenciamento ambiental.