Brasil é um polo atrativo para investimentos em energia renovável, diz Elbia Gannoum

CEO da ABEEólica analisa os obstáculos da transição energética e as oportunidades para o Brasil na era Trump

Elbia Gannoum, CEO da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), vice-presidente do Conselho Global de Energia Eólica e enviada especial para a energia da COP 30 em entrevista ao IstoÉ Sustentável

O setor energético responde por mais de 70% das emissões globais de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, o mundo não está caminhando na velocidade adequada para a transição energética, apesar de já conhecer o caminho e possuir as tecnologias maduras para enfrentar o problema. A constatação é de Elbia Gannoum, CEO da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), vice-presidente do Conselho Global de Energia Eólica e enviada especial para a energia da COP 30, em entrevista ao IstoÉ Sustentável.

Para Gannoum, lidar com as mudanças climáticas representa o maior desafio da humanidade, e a transição energética é peça central nessa equação. A executiva identifica cinco dimensões críticas no problema: política, ambiental, econômica, social e financeira. “Quando você tem um problema muito complexo, precisa buscar as suas dimensões para conseguir explicá-lo, entendê-lo e trazer soluções”, explica. Embora haja clareza sobre o problema e as tecnologias disponíveis, a velocidade da transformação permanece insuficiente.

O diagnóstico é direto: “Já sabemos qual é o caminho – usar os combustíveis renováveis -, mas não estamos caminhando na direção correta”. 

Os obstáculos da governança global

A COP (Conferência das Partes) representa essa governança, reunindo mais de 190 países para as discussões climáticas. Contudo, embora a estrutura exista, ela não tem a efetividade necessária. Fazer funcionar uma governança que requer consenso entre quase duas centenas de países, cada um com os seus interesses particulares, é extremamente desafiador.

A trajetória recente ilustra essas contradições. Em 2020, durante a pandemia, o mundo viveu um momento singular de conscientização climática. Com a crise do petróleo e os preços baixos, todos os setores voltaram-se para as questões ambientais. “Naquele momento pensei: agora vamos realmente caminhar na velocidade correta”, lembra a executiva.

Porém, os fatores geopolíticos alteraram esse cenário. A guerra na Ucrânia foi decisiva, mas antes dela, a retomada chinesa pós-Covid já sinalizava o retorno aos fósseis. “Sempre temos alguma explicação econômica, política ou tecnológica para não fazer o que deve ser feito”.

O retorno de Donald Trump à presidência americana exemplifica esses retrocessos. Gannoum relembra que o primeiro governo Trump foi “péssimo para o acordo climático”, marcado pela saída do Acordo de Paris e o negacionismo explícito. O governo Biden trouxe esperança com o Inflation Reduction Act, um robusto plano de retomada econômica com forte componente de energia renovável. “Para o clima foi fantástico. Os Estados Unidos voltaram ao jogo com força, e pensamos que a velocidade da transição seria retomada”.

Para Gannoum, o novo governo Trump representa outro retrocesso, com os cortes bilionários em projetos renováveis. Para o clima global, avalia, isso é “a pior notícia possível” e compromete as metas de net zero para 2050.

Na COP28, em Dubai, o mundo decidiu fazer a transição “para longe dos combustíveis fósseis” e estabeleceu metas de triplicar investimentos renováveis até 2030. Contudo, como observa Gannoum: “Está escrito, foi combinado, mas ninguém está cumprindo”.

Oportunidades brasileiras e responsabilidade coletiva

Apesar das dificuldades, Gannoum identifica oportunidades nesse cenário adverso. “Do ponto de vista do Brasil, é vantajoso que os Estados Unidos reduzam os investimentos”. O capital buscará novos destinos, e o Brasil figura entre os três países mais atrativos pelos recursos renováveis abundantes, a estabilidade institucional e a excelente posição diplomática.

Durante o período Biden, empresas brasileiras migraram para os Estados Unidos atraídas pelos incentivos. Agora, segundo ela, estão retornando. “O Brasil tem que aproveitar essa janela de oportunidade”, enfatiza.

Gannoum observa que a geografia também importa na transição energética. Nem todas as economias possuem abundância de recursos naturais renováveis como o Brasil, outros países latino-americanos, africanos, a Austrália e a China.

Na visão de Gannoum, essa dinâmica se reflete nas contradições brasileiras. Enquanto a sociedade espera consistência com as renováveis, o país ainda investe em fósseis, como na exploração petrolífera na Foz do Amazonas ou nos leilões de termelétricas a carvão.

“São movimentos aparentemente contraditórios”, reconhece. Para ela, o argumento defendido pelo governo e pelas petroleiras é que o Brasil produz petróleo mais limpo que outros países, e se o mundo continuará consumindo, que consuma o brasileiro. Além disso, explica Gannoum, sendo um país em desenvolvimento, é difícil para um governo abrir mão dessa riqueza enquanto outros países não fazem o mesmo.

Como enviada especial da COP30, Gannoum enfatiza que a responsabilidade pela transição não é apenas governamental, mas coletiva. Seu papel é traduzir para a sociedade a importância dessas discussões, conversando com setor produtivo e famílias sobre suas escolhas.

“Quem sente os efeitos das mudanças climáticas somos nós, a sociedade”, pontua. A executiva defende que consumidores façam escolhas conscientes – desde usar energia nos horários de abundância solar até exigir dos governantes decisões adequadas.

“Fazer termelétrica a carvão no Brasil não faz sentido, dada a nossa abundância em eólica, hidrelétrica, solar e biomassa. É um retrocesso”, critica. Para ela, a sociedade precisa cobrar mais dos representantes eleitos para não perder a competitividade conquistada.

Para a executiva, o multilateralismo perdeu força na geopolítica complexa atual. A COP 30 enfrentará o desafio de recuperar a capacidade de articulação global, reunindo discussões complexas e contradições para direcionar um caminho comum.

Gannoum defende uma discussão “real e verdadeira” na próxima conferência: “Não podemos mais fingir. Não estamos fazendo o necessário. Os números climáticos não são agradáveis, e precisamos enfrentar uma realidade que será cruel”.