Caatinga perde cobertura vegetal e mobiliza ações antes da COP30

Caatinga perde cobertura vegetal e mobiliza ações antes da COP30

​A Caatinga corre o risco de desaparecer. Com ela, milhões de hectares de vegetação nativa, modos de vida e fontes de água no semiárido nordestino também podem deixar de existir. Dados do MapBiomas mostram que o bioma já perdeu mais de 8 milhões de hectares desde 1985, e especialistas alertam para o risco de desertificação em áreas críticas.

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Em meio a esse cenário, a realização da COP30 em Belém é uma oportunidade para dar destaque ao único bioma exclusivamente brasileiro e historicamente negligenciado nas políticas climáticas. “Restaurar as terras degradadas do mundo exigirá ao menos US$ 2,6 trilhões até 2030”, alertou Ibrahim Thiaw, secretário executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), em entrevista à Reuters.

Presente em 10 estados do Nordeste e no norte de Minas Gerais, o bioma ocupa cerca de 844 mil quilômetros quadrados e abriga cerca de 27 milhões de pessoas. Apesar da resiliência ecológica de sua vegetação adaptada à seca, a Caatinga está entre as regiões mais vulneráveis à desertificação no mundo. A degradação do solo no semiárido brasileiro é um processo em curso há décadas e tende a se agravar com as mudanças climáticas. A ONU estima que cerca de 15 milhões de quilômetros quadrados de terras no planeta estejam degradadas, com avanço de 1 milhão de quilômetro quadrado por ano. 

Em 2023, um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mostrou, pela primeira vez, a ocorrência de uma região árida no país. Segundo o estudo, “observou-se o aparecimento de uma área definida como árida no norte do Estado da Bahia, que nunca fora observada no país nas décadas anteriores”. 

Durante um seminário preparatório para a COP30, o superintendente do Ibama no Rio Grande do Norte, Rivaldo Fernandes, alertou para a gravidade do cenário: “Queremos chamar a atenção para a questão de que o semiárido pode virar um deserto. Já temos uma área aqui com o nível 3. O nível 3 é o último, é quando o solo está bastante castigado”, disse.

De acordo com dados do MapBiomas, a Caatinga perdeu 8,6 milhões de hectares de vegetação nativa entre 1985 e 2023. Atualmente, apenas 59,6% da vegetação original permanece em pé. Os 40,4% restantes foram convertidos, principalmente, para o uso como pastagens, em agricultura e para necessidades urbanas. Esse processo, somado ao uso intensivo do solo e à extração de madeira para lenha, compromete a capacidade de regeneração do bioma e ameaça a segurança hídrica da população local.

Em abril de 2025, durante uma cerimônia oficial em Brasília para marcar o Dia Nacional da Caatinga, o governo federal anunciou um pacote de R$ 90 milhões em investimentos para frear a degradação e preservar o bioma. As ações incluem dois programas estruturantes: o projeto Conecta Caatinga, com foco na restauração ecológica e combate à desertificação, e o projeto Arca (Áreas Protegidas da Caatinga), voltado à conservação de espécies ameaçadas e à ampliação da gestão de unidades de conservação. Ambos contam com financiamento internacional e a previsão de execução é de cinco anos. O primeiro terá recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), e o segundo do Marco Global para a Biodiversidade. 

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ressaltou a importância de se pensar o desenvolvimento do semiárido a partir de bases sustentáveis. “Nós sabemos que a Caatinga vem sendo afetada pelas mudanças climáticas, pela ação humana e pelos projetos de desenvolvimento que acontecem. Inclusive por aqueles que são importantes, como a geração de energia limpa. Mesmo essas atividades têm impacto, e é preciso que a gente tenha processos de regulamentação para que não venham a afetar a biodiversidade e as comunidades locais”, afirmou durante o evento.

Governos estaduais também vêm se mobilizando. No Rio Grande do Norte, a governadora Fátima Bezerra, que participou do evento preparatório para a COP30, defendeu a criação de um fundo de financiamento exclusivo para a Caatinga e ressaltou seu papel no combate à mudança do clima. “A Caatinga não é um bioma qualquer, é o único bioma exclusivamente brasileiro. Tem papel fundamental no equilíbrio climático e é uma importante ferramenta para a descarbonização do planeta”, disse durante o encontro.

Ao mesmo tempo, surgem iniciativas no território que apontam caminhos concretos para a regeneração ambiental com inclusão social. Em Irecê (BA), o projeto Kôara: Plantio das Águas aposta na regeneração de mais de 500 hectares de floresta, com o envolvimento de 1.000 famílias em práticas de agrofloresta e bioconstrução, e a infiltração de mais de 1 milhão de litros de água por ano no solo. A inovação está na integração inédita entre bioconstrução e agrofloresta no contexto do semiárido, criando ecossistemas resilientes, produtivos e replicáveis. A iniciativa é conduzida por uma equipe técnica formada por profissionais do próprio território e conta com apoio do Instituto Lina Galvani.

Na cidade vizinha João Dourado, a artesã Claudia Pereira dos Santos criou o projeto Transformando a Natureza em Arte, que reaproveita palha de bananeira descartada para produzir embalagens sustentáveis, reduzindo o uso de plásticos e valorizando a cultura local. Já o aplicativo EcoColeta, desenvolvido pelo estudante de Análise e Desenvolvimento de Sistemas Giovane Neves, conecta catadores de recicláveis a moradores da cidade de Irecê, o que otimiza o processo de coleta e valoriza o trabalho dos catadores de resíduos, ao mesmo tempo em que estimula práticas sustentáveis no município. Ambos também recebem suporte do programa Impulsiona Bahia, do Instituto Lina Galvani.

Com a proximidade da COP30, aumenta a expectativa de que o Brasil utilize sua posição de país-sede para dar visibilidade às soluções que emergem dos seus territórios. Representantes da sociedade civil, governos estaduais e organizações de pesquisa articulam uma carta a ser apresentada em Belém, solicitando que a Caatinga seja reconhecida como bioma prioritário para a adaptação climática, com investimentos de longo prazo, reflorestamento com espécies nativas e fortalecimento de práticas de manejo sustentável.

A ministra Marina Silva, em discurso recente sobre os compromissos brasileiros rumo à COP30, afirmou que “a humanidade deve buscar alternativas que não sejam apenas para mudar a maneira de fazer, mas também a maneira de ser”. Essa transformação passa por reconhecer que a Caatinga, historicamente marginalizada nas políticas públicas, é uma peça fundamental para que o Brasil cumpra suas metas climáticas.