Cacique denuncia ameaças a territórios indígenas na barqueata da COP30

Liderança critica exclusão de povos tradicionais dos espaços de decisão durante ato em Belém

Caravana da Resposta
Foto: Caravana da Resposta

“Estamos ameaçados no nosso território pela mineração, pela Ferrogrão, pela questão da madeira e pela especulação imobiliária. A nossa voz, no nosso território, não está sendo ouvida”, afirmou o cacique Gilson Tupinambá, coordenador do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA), durante a barqueata da Cúpula dos Povos, realizada nesta terça-feira, 12 de novembro, na Baía do Guajará, em Belém. O ato reuniu mais de 200 embarcações e cerca de 5 mil pessoas de 60 países, em um dos momentos mais simbólicos da primeira semana da COP30, a conferência do clima das Nações Unidas, que acontece na capital paraense.

A fala do líder indígena sintetiza o tom que marcou a mobilização fluvial. Partindo da Universidade Federal do Pará (UFPA), território da Cúpula dos Povos, as embarcações navegaram por cerca de duas horas pelos rios Guamá e Guajará até a Vila da Barca, área de palafitas que simboliza as contradições da preparação da cidade para a COP30. Enquanto bairros de classe média são embelezados para compor a paisagem turística, a comunidade de palafitas segue sem saneamento básico, exposta à especulação imobiliária.

“Viemos na barqueata para tentar ecoar a nossa voz. Não tivemos espaço na Cúpula do Clima, que é um espaço de manifestação”, destacou o cacique Gilson, expressando a frustração de povos indígenas que se sentem excluídos dos espaços oficiais de decisão sobre questões climáticas que afetam diretamente seus territórios. Para ele, a participação na barqueata representa uma tentativa de fazer com que a voz dos “guardiões do planeta” seja finalmente ouvida pela sociedade brasileira e internacional.

A barqueata reuniu movimentos e organizações que denunciam o modelo de exploração territorial mantido pelas decisões das COPs e pela forte atuação de corporações nos espaços de decisão das conferências climáticas. Entre as embarcações, destacou-se a Caravana da Resposta, mobilização que percorreu mais de 3 mil quilômetros entre Sinop (MT) e Belém (PA), trazendo mais de 300 lideranças indígenas, ribeirinhas, quilombolas e camponesas.

A caravana trouxe figuras históricas da luta indígena no Brasil, como o cacique Raoni Metuktire e a liderança Alessandra Korap Munduruku, além de representantes dos povos Kayapó, Panará, Borari, Tupinambá, Xipaya, Arapiun, Huni Kuin e Kayabi. A presença desses líderes simboliza o elo entre os povos do Xingu e do Tapajós, regiões onde o avanço da soja e da infraestrutura de exportação tem causado destruição ambiental e violações de direitos.

“Nós somos o termômetro do clima do planeta”, afirmou Gilson Tupinambá, referindo-se ao impacto direto que as mudanças climáticas têm sobre as comunidades indígenas. Ele recordou a seca extrema que atingiu a região no ano passado, quando o rio secou e os peixes morreram. “O homem rico nunca vai sentir o impacto porque ele está no ar-condicionado. Nós sentimos porque somos o termômetro”, comparou.

O coordenador do CITA também criticou a resposta do Estado brasileiro à crise: “levaram comida com veneno, do agronegócio, e nós temos a nossa agricultura familiar, rica, saudável, não precisamos de mais nada, só precisamos ficar em paz no nosso território para cuidar do nosso planeta”.

Organizada pela Aliança Chega de Soja, articulação com cerca de quarenta organizações brasileiras e internacionais, a Caravana da Resposta refaz o caminho do “corredor da soja”, com o objetivo de mostrar os impactos do agronegócio e de grandes obras de infraestrutura. A Ferrogrão, projeto de ferrovia de 933 quilômetros que ligaria Sinop a Miritituba, é uma das principais obras mencionadas. O projeto visa escoar grãos do Centro-Oeste pelo Arco Norte, mas ameaça unidades de conservação, terras indígenas e intensifica o desmatamento na Amazônia.

Quanto às expectativas em relação à COP30, o cacique Gilson demonstrou ceticismo. “Não espero nada da COP30. Na COP anterior, aprovaram coisas que não foram adiante. Não esperamos nada dessa COP além de legitimar o erro contra nós”, declarou, refletindo a descrença de muitas comunidades tradicionais em relação aos compromissos assumidos nas conferências climáticas.

A Cúpula dos Povos, que reúne mais de 1,2 mil movimentos, organizações e redes do Brasil e do exterior, reforça que a barqueata representa um “manifesto fluvial” que traz as vozes de quem defende a vida, os territórios e o clima. A iniciativa é uma alternativa às soluções climáticas que saem das salas de negociações e propõe que a resposta para um mundo sustentável está nos povos das águas, das florestas e das periferias.