Ciência contra tragédias: método estatístico prevê deslizamentos com alta precisão

Visão geral do deslizamento de terra ocorrido em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, em 31 de janeiro de 2022
Visão geral do deslizamento de terra ocorrido em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, em 31 de janeiro de 2022 Foto: AFP

Um método relativamente simples de análise estatística é capaz de prever com mais precisão o risco de deslizamentos de terra causados por chuvas intensas. A conclusão é de um estudo coordenado por pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), em São Carlos, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

  • Estratégia foi validada com base nas tempestades de São Sebastião (SP) em 2023;

  • Novo modelo apresentou desempenho superior ao método tradicionalmente usado;

  • Sistema é acessível e pode ser operado por prefeituras com softwares livres.

Em artigo publicado no periódico Scientific Reports, a equipe comparou a eficiência da nova abordagem (AHP Gaussiano) com a técnica clássica. O resultado foi uma classificação mais assertiva das áreas vulneráveis.

“Embora os ganhos quantitativos sejam modestos, o método apresenta vantagens significativas: reduz ambiguidades e apresenta maior alinhamento com o comportamento real dos deslizamentos no território”, explica Rômulo Marques-Carvalho, doutorando do ICMC-USP e primeiro autor do estudo.

“O método reduz ambiguidades e apresenta maior alinhamento com o comportamento real dos deslizamentos no território”

Como funciona a inovação

Em avaliações de risco, o método tradicional (AHP Clássico) compara pares de variáveis — como inclinação do terreno e proximidade de rios — baseando-se muito na opinião subjetiva de especialistas.

Já a nova proposta aplica o AHP Gaussiano. “O termo se refere ao fato de que o método utiliza a distribuição gaussiana, ou curva de Gauss. Ela equivale à curva de distribuição de probabilidade, definida por média e desvio-padrão”, detalha Cláudia Maria de Almeida, coautora do estudo e pesquisadora do Inpe. Isso permite definir os pesos de cada fator de forma objetiva e matemática.

Teste de fogo: São Sebastião

Para validar a técnica, os pesquisadores utilizaram dados reais de São Sebastião, município castigado pelas chuvas em fevereiro de 2023. A equipe mapeou 983 pontos de início de deslizamento e 1.070 áreas afetadas.

O novo modelo atribuiu 26,31% da região analisada à categoria de “suscetibilidade muito alta”, contra uma estimativa de 23,52% do método antigo, demonstrando maior sensibilidade para detectar o perigo real.

A análise revelou ainda que a geomorfologia (formas do relevo) e a distância de estradas são fatores críticos. “A proximidade de estradas é importante porque sua construção em locais de relevo acidentado pressupõe a execução de obras de movimento de terra, como cortes e aterros, que geralmente levam a uma instabilidade das encostas”, explica Almeida.

Aplicabilidade e Futuro

O trabalho, apoiado pela Fapesp, oferece uma ferramenta poderosa para o poder público. “O método é simples de aplicar. Uma prefeitura precisaria apenas dos dados geoespaciais básicos e de um computador comum com QGIS [software livre]”, destaca Marques-Carvalho.

Segundo o orientador do estudo, André Ferreira de Carvalho, a abordagem tem potencial para monitorar outros problemas ambientais agravados pelas mudanças climáticas, como incêndios, desmatamento e desertificação.

Com informações de Reinaldo José Lopes, da Agência Fapesp