Ciência dos limites planetários revela desafios e destaca Brasil na agenda climática

Diretor do Instituto de Potsdam, Johan Rockström fala sobre riscos ambientais, mudança de modelo econômico e o protagonismo brasileiro

Diretor do Instituto de Potsdam, Johan Rockström

A vida na Terra depende de um planeta saudável, mas essa condição está cada vez mais ameaçada. Estudos científicos indicam que sete dos nove limites planetários que sustentam a estabilidade do sistema terrestre já foram ultrapassados. O mais recente a sair da zona de segurança é o da acidificação dos oceanos, fator essencial para o equilíbrio climático e a preservação da vida marinha.

+ Temos que considerar que o sétimo limite planetário foi ultrapassado, diz Rockström

O alerta vem de Johan Rockström, diretor do Instituto de Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático e cientista que liderou o grupo responsável pela formulação do conceito dos limites planetários. Proposto em 2009, o modelo ganhou reconhecimento internacional ao estabelecer nove fronteiras ambientais que delimitam o espaço seguro para o desenvolvimento humano, sem comprometer os mecanismos de autorregulação da Terra. Desde então, tornou-se uma referência global para avaliar riscos ecológicos e orientar políticas públicas e decisões econômicas.

As atualizações mais recentes sobre esses limites serão apresentadas oficialmente durante a Semana do Clima de Nova York, com base em dados inéditos e indicadores mais precisos. A conclusão reforça um alerta crescente: a pressão humana sobre os sistemas naturais está empurrando o planeta para uma zona de instabilidade com consequências potencialmente irreversíveis.

Em entrevista exclusiva concedida às vésperas da COP30 — que será realizada em Belém, no Pará —, Rockström traça um retrato contundente do estado atual do planeta: perda de biodiversidade, colapso dos recifes de corais, sobrecarga de poluentes e mudanças climáticas que avançam com velocidade crescente. Mas o diagnóstico vem acompanhado de possíveis soluções. O cientista fala sobre as conexões entre clima, saúde e alimentação; o papel das tecnologias e da mudança de comportamento; e a responsabilidade — e também a oportunidade — do Brasil em liderar uma nova rota de desenvolvimento, mais justa, resiliente e sustentável.

Qual é o atual cenário dos limites planetários?

A ciência dos limites planetários e o monitoramento desses limites são um trabalho contínuo. Nos dedicamos a melhorar a quantificação das fronteiras seguras e, neste momento, estamos particularmente focados no limite de acidificação dos oceanos. Temos um grupo inteiro de especialistas em oceanos analisando novas variáveis de controle, porque vemos que, muito provavelmente, há bastante evidência científica de que o oceano está mudando muito rápido. E sabemos que o oceano é um pré-requisito fundamental para um planeta estável e saudável.

Estamos olhando para a absorção de calor, a vida, os níveis de oxigênio, os microplásticos e o que está acontecendo com a chamada bomba biológica de carbono no oceano. Toda a interface entre o carbono no oceano e como algas, peixes e grandes comunidades de peixes lidam e armazenam carbono está sendo pesquisada. Agora, tudo será estudado para decidirmos se teremos dois novos indicadores que devem ser acrescentados para avaliar a saúde do oceano.

Contudo, a atualização mais recente, que será publicada e apresentada em Nova York, com lançamento oficial em 24 de setembro, durante a semana da Assembleia Geral das Nações Unidas e da Semana do Clima de Nova York, mostra que, infelizmente, os seis limites que no ano passado já haviam sido avaliados como ultrapassados continuam sendo transgredidos. E continuamos avançando na direção errada. Ainda não conseguimos dobrar as curvas. 

Por que esse cenário é preocupante?

Porque não é apenas a mudança climática. Também se trata da perda de biodiversidade, da alteração no uso do solo, ou seja, o desmatamento de florestas tropicais, de florestas temperadas e de florestas boreais, do excesso de nitrogênio e fósforo, do consumo exagerado de água doce e da sobrecarga de poluentes químicos.

Ao mesmo tempo em que temos uma crise climática, estamos permitindo a redução da saúde do planeta como um todo, de forma que o planeta fica mais frágil e menos capaz de amortecer o calor e os gases de efeito estufa que estamos lançando na atmosfera.

Portanto, você pode chamar isso de um duplo erro, porque, em meio a uma crise climática, o que precisamos é de um planeta saudável para amortecer o estresse causado pela mudança do clima. No entanto, estamos enfraquecendo a capacidade do planeta de atenuar esse impacto e já estamos vendo os primeiros sinais de aquecimento acelerado.

Assim, a avaliação dos limites planetários é, de certa forma, uma confirmação dupla: primeiro, vemos que estamos nos movendo para fora dos níveis seguros; segundo, isso se manifesta em uma taxa mais rápida de aquecimento, que é exatamente o que se espera quando o planeta está enfraquecido.

E com relação à saúde dos oceanos?

Infelizmente, somos obrigados a considerar que o sétimo limite planetário, o da acidificação dos oceanos, também foi ultrapassado. Até o ano passado, ele ainda estava dentro do espaço seguro, mas muito próximo do limite. Com os métodos mais atualizados e com os novos dados, devemos concluir que também estamos fora do espaço seguro em relação à acidificação.

Isso gera um risco duplo para os meios de vida de mais de 200 milhões de pessoas que vivem em regiões costeiras e dependem de pescarias e ecossistemas marinhos costeiros saudáveis. Estamos no meio de um aquecimento oceânico massivo, que causa branqueamento e enfraquece os sistemas de recifes de corais. Ou seja, todas as pressões estão recaindo sobre os sistemas marinhos costeiros rasos, tanto a acidificação, quanto a sobrepesca e o branqueamento. Isso está causando um estresse tremendo nesses ecossistemas.

Em resumo, o diagnóstico é sombrio. O paciente está em mau estado e ainda não conseguimos virar a esquina para iniciar o caminho de volta ao espaço seguro. Essa é uma grande preocupação.

Depois de alertar sobre os limites que já haviam sido ultrapassados por tantos anos e, agora, acrescentar mais um à lista, qual é a sua percepção sobre a capacidade da sociedade de retorno ao espaço seguro? 

A resposta para essa pergunta varia dependendo do dia, para ser honesto. Porque, de verdade, em toda a minha carreira profissional, eu nunca tive tantos motivos para estar tão preocupado quanto hoje.

Atualmente, vivemos em um mundo que está se afastando da ciência e ameaçando reduzir os níveis de ambição quando se trata de resolver a crise climática. Então, de repente, temos uma subida íngreme pela frente, justamente quando precisamos acelerar a descida. É, realmente, uma combinação muito ruim.

Ainda assim, acredito que há luz no fim do túnel. A ciência mostra que a situação é grave, mas também aponta que não é tarde demais para reverter esse quadro. A janela ainda está aberta, embora esteja se fechando rapidamente. 

O que considero mais importante é que hoje temos muitas evidências de que possuímos as soluções e temos soluções em escala. Elas podem competir com práticas insustentáveis mesmo sem subsídios e sem políticas ambientais. Há muitas soluções “ganha-ganha” disponíveis. 

Isso significa que podemos dizer cientificamente, com um alto grau de evidências, que aquelas economias que teimosamente permanecem em um caminho insustentável, baseado em combustíveis fósseis e na destruição de ecossistemas, são as perdedoras. 

Elas correm o risco de perder o abastecimento de água, de perder a segurança alimentar, de perder competitividade industrial, de perder segurança energética barata e de prejudicar a saúde da população. Isso tem tudo ver com os limites planetários. 

De que forma os sistemas alimentares interferem nos limites do planeta?

A alimentação não saudável, que é a principal responsável por 25% das emissões de gases de efeito estufa e a principal causa da transgressão do limite da biodiversidade, do desmatamento, do uso excessivo de água doce e da sobrecarga de nitrogênio e fósforo. Ela causa, prematuramente, a morte de mais de 10 milhões de pessoas por ano. Mas, se fizermos a transição para uma alimentação saudável, podemos reduzir esse número  de forma significativa e voltar para dentro do espaço seguro em relação a esses limites.

Temos um nível excessivo de consumo de proteína animal. Não significa necessariamente que todos precisem ser vegetarianos, mas apenas reduzir o consumo de carne vermelha já seria um caminho para um estilo de vida mais saudável para nós, enquanto seres humanos, e, ao mesmo tempo, contribuiria para reduzir a pressão sobre o planeta. De forma geral, ao olhar para todos os impactos, podemos dizer que, nesse diagnóstico sombrio, também temos a cura. E a cura é, na verdade, bastante atraente. É um caminho moderno para o futuro.

Claro que isso leva a uma frustração dupla: como é possível que toda a ciência mostre que estamos assumindo riscos tão grandes, que podemos até enfrentar resultados catastróficos incontroláveis, e, ao mesmo tempo, sabemos que existem soluções, que elas oferecem melhores resultados para todos, e mesmo assim não estamos fazendo nada? É uma enorme frustração. 

Nesse cenário, qual é o potencial das soluções baseadas em tecnologia?

Há um problema no mundo, pois muitos atores veem a tecnologia como uma “bala de prata”, algo que magicamente vai resolver todos os desafios. Isso não está correto. Não existe milagre tecnológico que, em algum momento no futuro, simplesmente apareça e resolva tudo.

Dito isso, a tecnologia faz parte da transformação de uma economia baseada em combustíveis fósseis para uma economia baseada em energia renovável. Sabemos que o desenvolvimento econômico está linearmente relacionado ao uso de energia. Portanto, as tecnologias para produzir energia limpa são fundamentais. Isso pode ser visto no crescimento exponencial da energia solar fotovoltaica, em particular, graças ao desenvolvimento tecnológico que tornou os painéis cada vez mais baratos. 

Sabemos que o desenvolvimento econômico está linearmente relacionado ao uso de energia. Portanto, as tecnologias para produzir energia limpa são fundamentais. Isso pode ser visto no crescimento exponencial da energia solar fotovoltaica, em particular, graças ao desenvolvimento tecnológico que tornou os painéis cada vez mais baratos. Essa queda de custos seguiu um ritmo quase tão dramático quanto a Lei de Moore na computação, que prevê a duplicação da velocidade dos computadores a cada 18 meses. Basicamente, conseguimos cortar o preço da energia renovável de forma exponencial. Mas não existe nenhuma tecnologia que, sozinha, consiga nos trazer de volta ao espaço seguro dos limites planetários. Também precisamos de mudanças de comportamento.

Precisamos de economias circulares, colocar um ponto final nesse modelo linear de produção que usamos hoje. Atualmente, exploramos a natureza de um lado, agregamos valor a esse recurso transformando-o em bens de consumo ou alimentos e, no outro lado, consumimos e geramos resíduos, que simplesmente liberamos no meio ambiente. Esse sistema linear precisa ser rompido e transformado em um sistema circular, que reutilize e recicle recursos. Isso não é exatamente tecnologia, mas sim uma transição de sistema e uma mudança de comportamento.

Mas há uma área adicional em que a tecnologia precisa desempenhar um papel. Querendo ou não, já ultrapassamos tantos limites que criamos um grande desequilíbrio térmico no planeta e não conseguiremos evitar a ultrapassagem da marca de 1,5 °C. Estamos caminhando para o que chamamos na ciência de “overshoot”, vamos romper os 1,5 °C e entrar em níveis muito perigosos, de 1,6 °C, 1,7 °C, 1,8 °C, para só então, no melhor cenário, conseguir retornar abaixo de 1,5 °C até o fim do século. Esse é o melhor cenário que a ciência consegue oferecer hoje. Atualmente, estamos no caminho que nos levará a 3 °C de aquecimento, o que seria um fracasso das políticas. Mas a ciência mostra que ainda é possível voltar para abaixo de 1,5 °C, embora apenas depois desse overshoot. E o overshoot acontece porque falhamos até agora.

Depois da ultrapassagem, precisamos de três coisas. A primeira, claro, é eliminar os combustíveis fósseis. Isso é básico. A segunda é retornar aos limites seguros, porque precisamos que os oceanos e a terra estejam estáveis para continuarem sequestrando carbono, retirando-o da atmosfera e resfriando o planeta. E a terceira é a tecnologia. Precisamos remover carbono da atmosfera.

Portanto, precisamos de todas as formas de tecnologias de captura de carbono: captura direta do ar, BECCS (bioenergia com captura e armazenamento de carbono). Ou seja, usar a fotossíntese para cultivar rapidamente plantas de energia, transformá-las em carbono sólido que pode ser devolvido ao solo como forma de fertilizante, ou mesmo bombear carbono líquido de volta para reservatórios geológicos no subsolo.

Essas tecnologias vêm sendo debatidas há anos porque não estão isentas de riscos. Mas, hoje, não temos escolha. Já ultrapassamos tanto os limites que, sem essas tecnologias, nunca conseguiremos retornar a níveis de temperatura considerados seguros. Portanto, sim, a tecnologia importa, mas ela não fará o trabalho sozinha.

Qual é a sua expectativa com relação à COP30 para avançar nesse caminho de ações?

É muito empolgante e tenho grandes expectativas em relação à liderança brasileira nas negociações climáticas deste ano. O Brasil é uma grande economia emergente, tem credibilidade no mundo todo e, desta vez, realmente está assumindo a liderança das negociações climáticas de forma muito séria. Está trazendo a ciência para a ação climática, mas também integrando a natureza. Basicamente, está dizendo: não há solução para o problema climático se não protegermos, também, os sistemas florestais do mundo, os solos, a água, os nutrientes. Nem tudo estará resolvido após a COP30, mas isso mostra que ainda existem forças positivas no mundo, afinal.

De que forma o Brasil também pode contribuir com a manutenção dos limites planetários?

Não quero colocar muita responsabilidade sob os ombros do Brasil, mas eu diria que o Brasil desempenha, e pode desempenhar ainda mais, um papel realmente importante na transição de volta ao espaço seguro para a humanidade na Terra.

Porque o Brasil é um país muito grande, abriga o ecossistema terrestre mais rico do planeta, a Floresta Amazônica. Além disso, o Brasil tem um alto grau de credibilidade no mundo, tanto com o Sul Global quanto com o Norte Global, mas também com o Oriente e o Ocidente. O Brasil pode exercer um papel fundamental como articulador e como líder confiável no cenário internacional.

Hoje vocês têm um governo muito respeitado e confiável, com o presidente Lula e a ministra Marina Silva, que, eu diria, têm um histórico de engajamento verdadeiro pelas pessoas, pela natureza, pelo clima e, portanto, pelo planeta. Temos pouquíssimos líderes assim.

E o que vi até agora da presidência da COP, na figura do embaixador André Corrêa do Lago, da Ana Toni e da equipe, é muito promissor. Eles realmente querem aproximar a ciência das negociações, querem fazer progresso real, querem contribuir para a transição para longe dos combustíveis fósseis, mas também trazer a responsabilidade com o planeta para o centro. Porque, no fim das contas, sem isso, o planeta pode começar a aquecer por conta própria, em vez de continuar cumprindo o papel que desempenhou até agora, que é contribuir para resfriar o sistema. E tudo isso está muito claro, na minha avaliação, para a liderança brasileira.

Por isso, acredito que há uma oportunidade de, pela primeira vez, podermos ter uma negociação climática que conecta pessoas, planeta e ação climática de forma verdadeira, e não apenas retórica. E também vejo aqui uma oportunidade diplomática de realmente construir uma ponte entre o Norte e o Sul globais, graças ao papel central que o Brasil pode desempenhar nesse cruzamento.

Portanto, há muito em jogo, mas também oportunidades muito significativas. Devemos lembrar também que o Brasil tem um papel importante no G20. Tem um papel central no comércio global. O Brasil é, portanto, um ator-chave.

E talvez o mais importante seja isto: acredito que o Brasil é um dos poucos países do mundo que realmente pode argumentar, de forma muito convincente, que sustentabilidade ou proteção ambiental é, na verdade, sobre desenvolvimento. É sobre bem-estar humano. É sobre assumir responsabilidade pela saúde, pela segurança e pelo desenvolvimento das pessoas. Não se trata apenas de proteção e conservação. É, na verdade, sobre um Estado moderno e próspero. E essa mensagem é muito mais poderosa vinda de um país como o Brasil do que de um país como a Suécia, onde nasci, ou a Alemanha, onde estou agora.

O Brasil pode mostrar ao mundo que não se trata de nos sacrificarmos para abrir mão do desenvolvimento humano. É exatamente o contrário. Se resolvermos esses problemas, teremos um desenvolvimento muito mais próspero e resiliente. O Brasil pode mostrar como se parece esse modelo moderno de futuro.

E acho que isso é um aspecto muito interessante. Porque no Brasil você nunca discute o clima sem um forte foco em desenvolvimento. É preciso lembrar, e acho que quem está em posição de decisão se lembra, que o Brasil foi a sede da Conferência do Rio em 1992. O país tem uma longa trajetória no tema de meio ambiente e desenvolvimento. Esse é um trunfo que o Brasil pode, e deve, jogar agora.