Em um mundo dominado por filtros digitais e padrões estéticos importados, o conceito de beleza precisa ser repensado. Em entrevista ao IstoÉ Sustentável, Cris Dios, cosmetóloga e fundadora do Grupo Laces, defendeu que a verdadeira beleza está na conexão entre corpo, mente e espírito — e na valorização da riqueza natural brasileira, ainda subutilizada pela indústria cosmética nacional.
“Beleza integral é a busca da sua melhor versão, que não é uma cópia de padrões externos, é uma individualização, é um olhar para dentro do que faz sentido para você”, define Cris. Para ela, essa perspectiva é muito mais libertadora do que perseguir ideais impostos pelas redes sociais.
O Brasil ocupa, simultaneamente, duas posições no ranking mundial: é o país mais conectado às mídias sociais, e o primeiro em níveis de ansiedade. Para Cris, essa não é uma coincidência. “Estamos vivendo um momento do mundo em que os filtros, esse excesso de conexão, é um momento tão conectado pelas redes sociais e, ao mesmo tempo, tão desconectado de si”, diz.
A executiva propõe uma beleza que se constrói na direção oposta: voltada para dentro e para a natureza ao redor. “Beleza, para mim, é muito além do reflexo do espelho. Ele é um estado de autopercepção, de relacionamento com você mesmo”, resume.
O ritual de beleza como conexão com a natureza
Cris defende que o momento de cuidado com a beleza pode ser transformado em um ritual de bem-estar e conexão. Ela rejeita a ideia de que o bem-estar seja sinônimo de retiros caros e inacessíveis.
“O bem-estar da conexão com a natureza está disponível aqui. A gente está no centro de São Paulo, mas se formos a um parque, colocarmos o pé no chão, sentir o aroma da natureza, parar cinco minutos e fazer uma respiração, isso é bem-estar”, argumenta.
Os produtos de beleza, nessa perspectiva, carregam muito mais do que ativos químicos. “Os ingredientes são a energia do sol, do solo, da água, da chuva, de tudo aquilo que durante algum tempo ele absorveu a energia da natureza e transpôs ali para um óleo essencial, para um óleo vegetal, para uma cera vegetal”, explica Cris.
Para ela, a energia natural se conecta com as células do corpo durante o banho, quando o vapor ajuda a criar uma sinergia entre o sistema olfativo, o sensorial da pele e o bem-estar interno. “Tudo isso faz com que a gente alimente esse nosso sistema sensorial, que é um veículo para esse nosso bem-estar interno”, afirma.
Cris propõe um exercício de reflexão: perguntar de onde vêm os padrões de beleza que pressionam a sociedade. “Quando há uma crítica para algo individual, temos que questionar: onde foi que eu ouvi isso pela primeira vez? Essa pessoa que eu ouvi, que eu li ou que eu vi em algum momento, que criou um padrão dentro de mim, faz sentido?”, explica.
Essas perguntas ajudam a separar o que é genuinamente de cada indivíduo do que foi imposto externamente. “É uma jornada, não tem um caminho certo. Esse estado de presença é uma construção diária, de boas escolhas, de conexão com aquilo que faz sentido para cada um”, afirma.
O tesouro da biodiversidade brasileira
O Brasil é o país mais biodiverso do mundo, possui 75% de sua energia proveniente de fontes renováveis e detém 20% da água potável do planeta. Ainda assim, segundo Cris, a biodiversidade não é valorizada. “Temos que entender que quando consumimos algo da nossa biodiversidade, fomentamos uma cadeia positiva”, argumenta.
A copaíba é um exemplo emblemático. Esse óleo, extraído de árvores da floresta amazônica, é um dos únicos no mundo que reúne propriedades de óleo essencial e óleo vegetal simultaneamente. Povos indígenas usam copaíba há séculos para curar feridas, fazer assepsia e tratar inflamações. “Desde uma ferida, uma picada, eles usam na floresta para curar, purificar, fazer assepsia e curar essa pele, até como eu uso, por exemplo, para queda de cabelo, para processos inflamatórios”, conta.
O murumuru e o babaçu, também originários da flora brasileira, possuem propriedades excepcionais para reconstrução capilar e hidratação profunda da pele. Paradoxalmente, Cris observa que esses ingredientes são mais valorizados fora do Brasil. “Às vezes, vejo o murumuru do Brasil em feiras internacionais, e aqui nem se fala muito”, diz.
A trajetória de Cris com a beleza natural vem de família. Seu avô, que chegou ao Brasil em 1920, era barbeiro naturalista e ensinava sobre ecologia muito antes do termo “sustentabilidade” existir. Os ensinamentos eram simples: respeitar a extração, usar a tecnologia da natureza para potencializar ativos e garantir que o processo não degradasse o ambiente.
Povos indígenas carregam uma sabedoria ainda mais profunda sobre essa conexão. “Os indígenas falam uma coisa: quando aquela planta nasce perto de você, é porque você, de alguma forma, precisa dela para curar a sua saúde”, conta Cris. Ela acredita que essa é uma sabedoria da natureza com 450 bilhões de anos, que não pode ser negligenciada.
Essa perspectiva transforma o ato de escolher um cosmético: em vez de buscar ativos exóticos de outros continentes, faz mais sentido valorizar o que é produzido no Brasil. “Não é por acaso que nascemos neste lugar, com este clima, com esse solo e tudo isso está conectado”, reflete.
Por isso, Cris acredita que as escolhas diárias precisam respeitar a beleza e todo o ecossistema envolvido. “Beleza é muito mais você olhar para dentro do que você olhar para fora. Só que, para isso, é preciso ter um caminho. E eu acredito muito que esse momento de reflexão, que pode ser o seu momento de beleza, traz essa autopercepção”, conclui Cris. É uma beleza que liberta, em vez de aprisionar.