Como o desmatamento e os agrotóxicos ameaçam o Kuarup, o coração da cultura do Xingu

No coração do Brasil, um dos mais importantes símbolos da cultura indígena do Alto Xingu está ameaçado: o ritual fúnebre Kuarup. Mais que uma cerimônia anual, o Kuarup é uma celebração sagrada que honra a memória de pessoas importantes que faleceram, unindo diversas comunidades em um ciclo de luto que se transforma em alegria. “O final da festa é muito feliz”, conta o cacique Tapi Yawalapiti.

Contudo, a base material e espiritual para essa celebração está desaparecendo. A pesca abundante e o cultivo da mandioca, essenciais para alimentar centenas de convidados, já sentem os efeitos de uma crise tripla: as mudanças climáticas, o desmatamento e a contaminação por agrotóxicos.

“A mudança climática já está afetando a nossa vida. O rio está secando, pouca chuva e muito calor, e o nosso plantio não está mais podendo nascer”, lamenta o cacique. A ciência confirma sua percepção. Imagens de satélite mostram que, nos últimos 40 anos, o Parque Indígena do Xingu se tornou uma ilha de floresta cercada por pastagens e lavouras.

Pesquisadores do INPE explicam que a remoção da floresta altera todo o ciclo hídrico, resultando em menos chuva e temperaturas mais altas. Dados do MapBiomas são ainda mais alarmantes: nos municípios do parque, a área coberta por rios e lagos caiu pela metade em quatro décadas.

Além da seca, há o veneno. “Hoje está jogando muito veneno”, diz a pajé Mapulu Kamayurá, sobre a escassez de peixes. Um estudo da Fiocruz confirmou a presença de 28 agrotóxicos em uma terra indígena vizinha, incluindo substâncias cancerígenas e proibidas no Brasil, que ameaçam a saúde com doenças neurológicas, má-formação congênita e câncer.

No Alto Xingu, onde a espiritualidade e a natureza são inseparáveis, a ação humana está envenenando a água, secando os rios e ameaçando o modo de vida que tem no Kuarup sua expressão mais forte. A conclusão do cacique Tapi Yawalapiti é um alerta para todos nós: “Moramos na floresta e precisamos da floresta para poder manter a nossa cultura viva. Se a floresta for destruída, então a nossa cultura também vai ser destruída”.