COP em Belém expõe desigualdades históricas da diplomacia climática, diz Thelma Krug

Thelma Krug, ex-vice-presidente do IPCC e pesquisadora aposentada do INPE, em entrevista à IstoÉ.

A escolha de Belém como sede da COP30 tem potencial para marcar um ponto de virada nas negociações climáticas globais, segundo a cientista Thelma Krug, ex-vice-presidente do IPCC e pesquisadora aposentada do INPE. Para ela, a conferência da ONU no coração da Amazônia pode ser a COP de “cair na real”, ao escancarar as assimetrias entre países ricos e pobres que participam do evento.

+ Governo federal prevê conclusão de obras da COP30 às vésperas do evento

“Você sai de três COPs muito ricas”, afirmou Thelma, em referência às edições anteriores realizadas no Egito, nos Emirados Árabes Unidos e no Azerbaijão.

“Enquanto alguns países levam 500 delegados, outros conseguem mandar apenas uma pessoa. Essa diferença é gritante.

A cientista defende que a conferência seja mais justa e ofereça condições reais de participação para todos, especialmente os países em desenvolvimento, que representam a maioria das nações signatárias da Convenção do Clima.

A crise de hospedagem em Belém dominou as discussões em torno da realização do evento. Relatos de diárias cobradas em valores exorbitantes repercutiram internacionalmente. A situação levou a uma mobilização diplomática: uma carta assinada por 25 países foi enviada à Secretaria da Convenção do Clima pedindo garantias de infraestrutura e alertando para o risco de exclusão de representantes da sociedade civil e de delegações de países mais vulneráveis.

Para Thelma, essa limitação pode, paradoxalmente, expor um problema estrutural das COPs.

“Talvez essa dificuldade de infraestrutura, por si só, vá reduzir um pouco essa grande discrepância entre a participação dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento”, avaliou.

Ela teme, no entanto, que as condições adversas afastem justamente quem mais deveria estar presente. “Eu teria uma enorme preocupação de que essa representação dos países em desenvolvimento, que são sua maioria, não pudesse estar lá em plena voz, em um momento crítico como a gente está”, alertou.

Perspectivas para Belém

Apesar dos desafios, Krug enxerga oportunidades. Ela ressalta a potência simbólica de realizar uma COP na Amazônia, que coloca em evidência tanto a biodiversidade única da região quanto às dificuldades sociais enfrentadas por seus habitantes. “Muitos países não têm noção do que é a nossa Amazônia. Não têm noção de que você tem um mar verde. Não têm noção também de uma cidade como Belém, muito linda, muito rica historicamente, mas com enormes desafios de saneamento e qualidade de vida”, destacou.

A cientista acredita que a presença indígena será mais expressiva nesta edição e que a COP30 pode oferecer ao mundo um retrato mais fiel do Brasil, para além das capitais do Sudeste. “Vai ser uma COP diferente. Vai ser uma COP que traz uma maior realidade de um país que alguns ainda consideram desenvolvido. Porque as pessoas conhecem superficialmente, mas não conhecem o âmago do nosso país, as suas origens e as dificuldades que estão em grande parte ali na Amazônia”, afirmou.

Thelma também destaca que o evento deve deixar legados importantes para a cidade. Ela lembra das visitas que fez a Belém no último ano e do dinamismo cultural crescente. “Havia uma multitude de eventos, culturais, científicos, era impressionante. Em qualquer lugar que você ia, já tinha um novo evento”, relatou. Para ela, a COP30 pode consolidar essa vocação e criar condições estruturais para que Belém continue a sediar encontros de grande porte. “Acredito que a COP está deixando um legado de espaços maiores para a produção de eventos cada vez mais ambiciosos, mais internacionais”, acrescentou.

Outro impacto positivo, segundo Krug, será a formação de pessoas. “Houve uma capacitação também das pessoas que vão estar ali ajudando na COP, entendendo o que é uma COP, tudo o que isso implica. Elas vão querer contribuir, de forma voluntária, participando — não só o pessoal da universidade, mas a população comum”, disse. Esse processo, afirma ela, deve deixar na cidade um novo tipo de engajamento e uma cultura mais universal, com repercussões que vão além do evento. “É uma oportunidade que será levada para Belém e que eu tenho certeza que eles vão aproveitar ao máximo”, concluiu.

Confira a entrevista completa: