COP30 impulsiona debate sobre empreendedorismo como pilar da conservação amazônica

Formação de jovens e desenvolvimento de negócios sustentáveis são essenciais para manter a floresta em pé, diz Raphael Medeiros

COP30 impulsiona debate sobre empreendedorismo como pilar da conservação amazônica

A realização da COP30, que acontece em Belém, aqueceu as discussões sobre o futuro da Amazônia e reforçou um conceito que vem ganhando força: a conservação da floresta depende diretamente da viabilidade econômica para quem vive nela. Para Raphael Medeiros, diretor do Centro de Empreendedorismo da Amazônia, a conferência climática representa muito mais do que um evento político pontual – é uma oportunidade histórica de consolidar pontes entre a floresta e o mercado global.

“É muito simbólico ter uma COP na Amazônia. No último ano em Belém foi uma loucura de visitas, de interesse, de pessoas querendo construir pontes, de embaixadas, de empresas privadas querendo fazer coisas interessantes. E estão sendo bem feitas”, afirmou em entrevista ao IstoÉ Sustentável. Para ele, quando essas interações são bem estruturadas e geram resultados concretos, tendem a perdurar muito além do evento.

O Centro de Empreendedorismo da Amazônia, associação sem fins lucrativos criada no final de 2015, trabalha justamente nessa linha de frente: apoiar e desenvolver negócios sustentáveis na região, tendo os jovens como protagonistas. A organização foi pioneira ao lançar, em 2017, o primeiro programa regular de pré-aceleração de modelos de negócio com foco em floresta e sociobiodiversidade do mundo – uma história que ainda não completa uma década, mas já mostra resultados expressivos.

Jovens como agentes de transformação

O foco no público jovem não é casual. Medeiros explica que, atualmente, qualquer jovem na Amazônia tem acesso a um smartphone e, através dele, enxerga referências de sucesso que não incluem a vida na floresta. “A vida de quem mora na floresta não é referência para ninguém, nem mesmo para ele. Se você buscar no jornal as últimas 20 matérias sobre a Amazônia, tirando agora essa época de COP, é só desastre”, observa.

Essa falta de representatividade positiva cria um ciclo vicioso: jovens do interior buscam os grandes centros urbanos em busca de oportunidades, deixando para trás suas comunidades e, muitas vezes, enfrentando condições ainda mais adversas nas cidades. “É muito difícil nesse cenário pegar um jovem do interior e ele ter orgulho de ser amazônida”, constata.

A transformação começa quando esses jovens descobrem o potencial econômico do que sempre esteve ao seu redor. O trabalho do Centro utiliza psicologia positiva e comportamental para desenvolver o orgulho de ser e pertencer à Amazônia. “Quando ele descobre que o buriti que hoje estraga no rio é a fruta que talvez tenha a maior concentração de beta-caroteno do Brasil, três vezes mais que a própria cenoura, e que o mercado de carotenoides é multibilionário, isso é libertador”, exemplifica Medeiros.

Um dos principais mitos que o diretor procura desconstruir é o da logística como obstáculo intransponível. “Se a logística da Amazônia é tão impossível assim, como é que tem açaí no mundo inteiro?”, questiona. Para ele, o verdadeiro impeditivo não é a distância ou os diferentes modais de transporte, mas a desconexão com o mercado.

O açaí é o exemplo perfeito: mais de 90% da produção mundial vem do estado do Pará e a superfruta está presente em qualquer país do mundo. “Conseguimos fazer o açaí chegar no mundo inteiro. É sinal que conseguimos fazer qualquer coisa chegar no mundo inteiro”, argumenta. O segredo está em criar produtos que o mercado deseje – quando isso acontece, os custos e desafios logísticos tornam-se secundários.

O Centro tem uma postura pragmática em relação à qualidade dos produtos. “Com toda a riqueza que tem na Amazônia, com toda a riqueza cultural, natural, a gente não pode se dar ao luxo de ter um produto medíocre”, enfatiza Medeiros. Para ele, não basta ser da Amazônia – é preciso competir de igual para igual com produtos de qualquer lugar do mundo.

“Você vai chegar com um produto da Amazônia num grande distribuidor ou num grande centro comercial, você vai concorrer de igual para igual com o produto que é feito em grandes centros. No mínimo tem que ser um bom produto”, explica. A vantagem de ser sustentável e ter impacto socioambiental positivo soma-se à qualidade, mas nunca a substitui.

Floresta em pé precisa de rentabilidade

Para Medeiros, a equação é simples: não existe floresta em pé com pobreza. “É muito injusto você chegar no interior onde um jovem tem os desejos que a gente da cidade tem – de ter um smartphone, uma camisa do seu ídolo de futebol – e ele não tem emprego, não tem oportunidade. Aí vem uma pessoa e oferece dinheiro para garimpar, cortar madeira ou vender ilícitos. Ele não tem outra opção.”

O empreendedorismo surge como alternativa real. “Ninguém é louco de derrubar um açaizeiro, porque sabe que o fruto dele dá muito mais do que aquela madeira”, exemplifica. O mesmo acontece com oleaginosas usadas pela indústria cosmética – quando há mercado para as sementes e óleos, as árvores permanecem em pé.

A Amazônia ainda guarda inúmeras possibilidades. A ciência conhece apenas 0,5% dos fungos existentes na região. Novas espécies de peixes e árvores são descobertas regularmente. Frutas como buriti, taperebá e patauá aguardam seu momento no mercado global, assim como o açaí teve há poucas décadas.

Olhando para o futuro, Medeiros aponta três prioridades: educação empreendedora contínua, arranjos pré-competitivos e acesso à ciência e tecnologia de base. “É muito difícil porque as pessoas não conseguem mensurar o resultado de curto prazo de uma educação. Mas se não tivesse educação de base, você não estaria onde está hoje. A mesma coisa vale para o empreendedorismo.”

A disponibilidade de laboratórios para desenvolver produtos é outro gargalo. “Como eu faço para esse produto durar mais na prateleira? Como eu faço para ele não oxidar? Só consigo através de laboratório”, explica. Atualmente, muitos empreendedores precisam viajar para centros como a Unicamp para realizar testes básicos, encarecendo e atrasando o desenvolvimento de produtos.

Com a COP30 em andamento, Medeiros mantém o otimismo. “Convido quem vá a Belém ou a qualquer cidade da Amazônia: pergunte se a vida das pessoas que moram ali melhorou por causa do açaí ou do cacau. Você vai ver que a resposta sempre vai ser muito positiva e de fato se deve ao empreendedorismo”, finaliza.

A aposta é que o encontro global na Amazônia não seja apenas um evento, mas o fortalecimento definitivo de um modelo onde conservação e desenvolvimento econômico caminham juntos – tendo como protagonistas os próprios amazônidas.

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