A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) tem mais de 20 tópicos em negociação que podem gerar resultados concretos. Um deles é o financiamento climático, em uma espécie de continuação do que foi proposto no ano passado. Está em discussão a nova meta coletiva quantificada (NCQG, na sigla em inglês), que deve substituir o compromisso anterior de US$ 100 bilhões anuais dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. A expectativa é que o novo valor chegue a US$ 1,3 trilhão e inclua mecanismos mais justos de distribuição dos recursos.
Outro tema de destaque é a adaptação, conceito que representa as ações e estratégias que vão ajudar sociedades, e ecossistemas a lidar com os efeitos das mudanças climáticas. A definição de cerca de 100 indicadores globais permitirá medir se as cidades estão se preparando para eventos extremos. Para Linda Murasawa, especialista brasileira em financiamento climático, os municípios não foram construídos para suportar o calor extremo. Além disso, “a falta de resiliência é o que faz as pontes caírem e as estradas ficarem desgastadas a cada grande chuva”.
+ Como definir o sucesso ou o fracasso da COP30?
Como essas decisões chegam ao cotidiano das pessoas? A conexão entre política climática global e economia real passa por diversos setores. Quando a COP estabelece metas de redução de emissões, ela movimenta indústrias inteiras. O aumento de painéis solares em telhados brasileiros é resultado direto de políticas de estímulo às renováveis discutidas em conferências anteriores.
1. Global Stocktake
O termo Global Stocktake (GST), ou Balanço Global, representa um grande inventário coletivo do esforço climático mundial. Previsto no Acordo de Paris, esse mecanismo avalia a cada cinco anos se os países, em conjunto, estão fazendo o suficiente para conter o aquecimento global dentro dos limites seguros.
A primeira rodada, concluída na COP28 em Dubai, trouxe um diagnóstico incômodo. Mesmo que todos os países cumpram integralmente suas atuais Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), o planeta caminha para um aquecimento entre 2,5°C e 3°C até o fim do século, bem acima dos 1,5°C estabelecidos como limite de segurança.
O GST revelou uma lacuna de ambição que precisa ser fechada com urgência. O Brasil, por exemplo, atualizou sua NDC em 2024, comprometendo-se a reduzir emissões em 53% até 2030 e alcançar neutralidade climática até 2050.
Na COP30, os países apresentarão suas novas NDCs, elaboradas com base nas conclusões do primeiro GST. É o momento em que cada nação deve demonstrar como aumentará sua ambição climática para fechar a lacuna identificada. O Brasil, como anfitrião, tem a responsabilidade de liderar pelo exemplo, mostrando que é possível conciliar desenvolvimento econômico com metas mais ousadas de redução de emissões.

Discussões sobre transição envolvem grupos afetados pelas mudanças climáticas, como trabalhadores das áreas de extração de açaí
2. Indicadores de Adaptação
Enquanto a mitigação (redução das emissões de gases de efeito estufa) domina as manchetes climáticas, a adaptação permaneceu por anos na penumbra das negociações. O Global Goal on Adaptation (GGA), ou Meta Global de Adaptação, estabelecido no Acordo de Paris, busca mudar essa realidade ao criar um marco comparável ao limite de 1,5°C, mas voltado para a capacidade de resistência das sociedades.
O GGA tem três objetivos centrais: reduzir a vulnerabilidade aos impactos climáticos, aumentar a capacidade adaptativa das comunidades e fortalecer a resiliência dos sistemas naturais e humanos. Mas diferentemente da mitigação, que se mede em toneladas de CO2, como medir se uma cidade está adaptada? Como avaliar se um sistema de saúde suporta ondas de calor crescentes?
A COP30 enfrenta o desafio de operacionalizar a meta de adaptação por meio de 100 indicadores globais que permitam mensurar a adaptação de forma comparável entre países. Esses indicadores cobrem múltiplas dimensões: capacidade hospitalar para eventos extremos, resiliência da infraestrutura urbana, segurança hídrica, variedades agrícolas resistentes ao clima, sistemas de alerta precoce.
A negociação dos indicadores é complexa porque países desenvolvidos e em desenvolvimento enfrentam realidades distintas. A solução está em criar métricas flexíveis que capturem contextos locais sem perder a comparabilidade global. Sem indicadores claros, a adaptação continuará em segundo plano para os fluxos financeiros. Enquanto a mitigação atrai investimentos com títulos sustentáveis e créditos de carbono, a adaptação permanece subfinanciada, apesar de ser uma questão de sobrevivência imediata para milhões de pessoas.
3. Mercado de carbono
A COP30 ocorre cerca de um ano após o Brasil ter aprovado a regulamentação do mercado regulado de carbono – oficialmente chamado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) –, um dos principais mecanismos de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE), grande contribuinte do processo de mudanças climáticas. Com esse mercado, a partir de definições de empresas e países sobre suas respectivas reduções ou limite de emissões, passam a ser realizadas transações entre quem precisa comprar crédito de emissão de carbono e quem tem “emissões” para vender, por emitir menos GEE ou capturar mais carbono da atmosfera por meio de ações como o reflorestamento.
Setores como a indústria pesada ou com alto consumo de combustível fóssil (aviação, por exemplo) são os que mais têm dificuldade em reduzir emissões, e poderão comprar créditos daqueles que passaram pela transição energética ou adotaram medidas que reduzem ou compensam suas emissões. Neste mercado, um crédito é igual a uma tonelada de carbono equivalente (CO2e).
O princípio desse segmento se baseia na máxima de que “poluir custa e reduzir emissões gera valor”. Apesar da sanção da lei que regulamenta o mercado no Brasil, ainda levará uns anos para ele que esteja operando, mais próximo de 2030, data limite para cumprimento de compromissos climáticos assumidos na COP21 em Paris, dez anos atrás. A principal complexidade é garantir a rastreabilidade, transparência e integridade dos créditos de carbono (para evitar, por exemplo, a “dupla contagem”) e harmonizar as regras.
No início da semana, foi editado o decreto que estabeleceu a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), um importante passo para o avanço do Brasil no mercado de carbono regulado. Isso porque ele define os critérios do que seria realmente “verde” e com valor e legitimidade no segmento, o que passa por viés científico, social e econômico.
4. Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF)
Uma das iniciativas – e orgulho – do Brasil que deve ganhar destaque na conferência é o TFFF (Tropical Forest Forever Facility ou Fundo Florestas Tropicais para Sempre), que propõe remunerar aqueles que conservam suas florestas tropicais, em vez de pagar aos países para reduzir desmatamento, uma das atividades que mais emitem CO2. O TFFF tem um grande diferencial: a fonte de financiamento. Ele propõe captar US$ 25 bilhões em investimentos de países — não doações — que servirão como garantia para emitir até US$ 100 bilhões em títulos no mercado financeiro. Seria um investimento de baixo risco, mas seguro.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse no início da semana, já presente em Belém, que o financiamento climático precisa deixar de ser baseado em doações e se concentrar em investimentos, como no caso do TFFF. “Estamos querendo sair da era das doações. A doação é muito importante, mas sempre fica muito aquém do que se precisa. Se não nos deram US$ 100 bilhões antes, não vão dar agora US$ 1,3 trilhão”, declarou.
O Banco Mundial será o administrador do fundo. “O Brasil tem uma proposta robusta, que o Banco Mundial aceitou ser o operador, que é o TFFF, um Fundo Tropical das Florestas. Isso já ajuda no debate sobre financiamento, porque é recurso privado se somando a recursos públicos”, destacou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

O TFFF não se limita ao
Brasil; florestas como a do
Congo serão beneficiadas.
O TFFF tem potencial de proteger até um bilhão de hectares em mais de 70 países tropicais e mobilizar até US$ 125 bilhões por meio do financiamento misto, entre aportes públicos e recursos privados. A projeção é que, quando o fundo atingir esse montante, seja possível gerar um pagamento de US$ 4 por hectare de floresta preservado, aplicados os descontos por desmatamento.
Garo Batmanian, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, órgão vinculado ao ministério do Meio Ambiente, responsável por promover o uso sustentável dos recursos florestais, explicou que, embora o Brasil lidere a proposta, o TFFF não é um fundo para a Amazônia ou para o país. “É um fundo para o mundo. Qualquer floresta tropical pode ser beneficiada”, disse. Florestas tropicais, vale ressaltar, são consideradas fontes da estabilidade climática, pois retêm carbono e garantem ciclos hídricos.
A proposta, que é um modelo que inova os instrumentos financeiros sustentáveis, nasceu de uma articulação entre nações do Sul Global. O desenho foi construído com 11 nações: Brasil, Colômbia, República Democrática do Congo, Gana, Indonésia e Malásia (países florestais), além de França, Alemanha, Reino Unido, Noruega e Emirados Árabes Unidos (potenciais investidores). A expectativa é anunciar os primeiros países parceiros durante a COP30. O Brasil sinalizou o investimento de US$ 1 bilhão no TFFF.
5. Transição Justa
A chamada Transição Justa engloba todos os debates que estarão à mesa na COP30. O termo resume o objetivo de uma transição para uma economia de baixo carbono, o que significa mudança na matriz energética – ainda que o Brasil esteja prestes a explorar uma nova reserva de petróleo, na Margem Equatorial, na costa do Amapá (foi autorizada recentemente uma perfuração exploratória).
O presidente Lula vem repetindo – a última vez foi durante sua viagem à Indonésia – que essa exploração na Margem Equatorial é o que vai impulsionar a mudança energética que tanto se difunde, com foco na contenção do aquecimento global, que leva às mudanças climáticas. “Queremos usar o dinheiro do petróleo para consolidar a transição energética. A Petrobras vai, aos poucos, deixar de ser só uma empresa de petróleo para ser uma empresa de energia”, disse, reproduzindo um discurso também divulgado pela própria estatal petroleira.
Mas a questão vai muito além da mudança da matriz energética para fontes renováveis. O conceito de transição justa engloba um conjunto de processos que deverão ser alinhados e combinados para garantir que a mudança seja sustentável também para o pilar social e econômico.
Entre as ações para esse objetivo está mitigação dos impactos dessa transição para trabalhadores e comunidades dependentes das indústrias que fazem uso intensivo de carbono, o que significa não apenas a petrolífera, mas carvão ou agropecuária. Para isso, será preciso criar mais empregos “verdes” nas novas indústrias consideradas sustentáveis, como energia renovável, manejo florestal e bioeconomia.
Utilizar a transição ecológica é também uma oportunidade para corrigir desigualdades estruturais históricas (regionais, de gênero, de raça), priorizando o desenvolvimento em regiões mais vulneráveis. Assegurar que os grupos afetados pelas mudanças climáticas (trabalhadores, povos indígenas, comunidades locais, mulheres e grupos marginalizados) participem ativamente no planejamento e na tomada de decisões sobre o processo de transição é mais um objeto de atenção.
Todo esse pacote vai depender de uma grande cooperação global por meio de políticas públicas e dinheiro, muito dinheiro. A projeção é que o montante passe dos US$ 1,3 trilhão.