Os data centers emergem como uma nova fronteira de demanda energética no Brasil. A avaliação é de Elbia Gannoum, CEO da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), vice-presidente do Conselho Global de Energia Eólica e enviada especial para a energia da COP 30, em entrevista ao programa IstoÉ Sustentável.
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Segundo a executiva, a chegada da inteligência artificial ao país se reflete em novos contratos. “Estamos em 2025 e estou retomando meus contratos, principalmente com data center”, declara Gannoum. Após um período que ela classifica como “crise forte em 2023 e absurdamente forte em 2024”, o setor vislumbra uma recuperação impulsionada por essa demanda emergente.
A mudança representa uma quebra de paradigma no consumo energético nacional. Enquanto as fábricas tradicionais demandam megawatts, os data centers operam na escala de gigawatts – uma diferença de mil vezes. Para Gannoum, essa transformação exige repensar todo o planejamento elétrico brasileiro: “Para fazer uma demanda de gigawatts, a gente precisa ter uma estrutura de rede, a gente precisa planejar nossa transmissão”.
O Brasil entra nesta corrida com vantagens competitivas significativas. O país produz, nas palavras da executiva, “a energia elétrica mais barata do mundo e a mais renovável do mundo”, com uma matriz elétrica 93% baseada em fontes renováveis. Enquanto outras nações lutam para descarbonizar suas matrizes energéticas, o Brasil opera com energia limpa em abundância.
Oportunidade à vista
O retorno de Donald Trump à presidência americana amplia as oportunidades brasileiras no setor. Gannoum esclarece que “os Estados Unidos estão fazendo forte investimento para trazer data centers, mas para eles – eles não querem inquilinos lá, e aí abre um espaço para nós”.
A política americana de privilegiar data centers domésticos por questões de segurança nacional cria oportunidades para empresas não-americanas buscarem alternativas. O Brasil surge como um destino natural, oferecendo energia limpa, competitiva e abundante para operações intensivas em eletricidade.
Contudo, o país enfrenta desafios de adaptação. A executiva reconhece que “o Brasil não se preparou para esse tipo de demanda”. Tradicionalmente, o planejamento elétrico nacional considerava a instalação de novas fábricas com um cronograma de três a cinco anos e cargas relativamente modestas. Os data centers quebram essas premissas, exigindo instalação rápida e infraestrutura robusta para suportar operações que funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana.
“O Brasil está tendo que mudar toda a sua forma de planejar o sistema para trazer essa conexão”, descreve Gannoum. Para enfrentar esse desafio, ela conta que “o governo está preparando uma medida provisória de data center, criando inclusive alguns incentivos fiscais.”
O momento dessa nova demanda coincide com as características do setor eólico. A energia eólica tem um prazo de construção de dois anos, conforme esclarece a CEO: “Se eu vendi um contrato hoje, eu vou ter o parque pronto daqui dois anos”. Com os contratos sendo fechados em 2025, os parques estarão operacionais em 2027, quando a necessidade de data centers deve se intensificar.
Revolução Industrial 5.0
A executiva projeta uma recuperação consistente do setor a partir de 2027. “Vejo a partir de 2027, não só eu, mas os vários cenários que são rodados por outras instituições também, uma retomada dos investimentos e essa retomada pode explodir em 28, 29, 30”, analisa Gannoum.
A chegada dos data centers coincide com um movimento mais amplo de reconfiguração da cadeia produtiva global. A CEO relata que as empresas brasileiras que haviam migrado para os Estados Unidos durante o governo Biden agora retornam. “Muitas empresas nossas deixaram de produzir aqui e foram para lá. Agora elas estão deixando de produzir lá, estão voltando para o Brasil”, destaca.
O ano de 2024 foi extremamente importante para a criação de novas leis. Foram aprovadas legislações fundamentais como a Lei de Eólicas Offshore, a Lei do Hidrogênio Verde e a Lei do Mercado de Carbono, além de um projeto de lei para data centers em tramitação no Congresso. “Foram leis importantíssimas que criaram essa base legal para que agora o poder executivo venha a regulamentar”, afirma Gannoum.
A transformação vai além da geração de energia. Os data centers demandam uma cadeia completa de serviços especializados – refrigeração, segurança, conectividade, manutenção – que pode reativar setores industriais brasileiros complementares.
Para a executiva, o Brasil vive um momento histórico único. “O Brasil nunca aproveitou as revoluções industriais anteriores”, reflete. “A Revolução Industrial 5.0 está aqui na nossa frente, parece que é a nossa vez.” A diferença, segundo ela, é que o país possui as matérias-primas essenciais da nova economia: energia limpa, abundante e competitiva.
Ao mesmo tempo, os padrões de consumo energético nacional também precisam mudar para acompanhar a nova realidade de geração. Gannoum orienta que os consumidores podem otimizar o uso da energia aproveitando os horários de abundância solar: “Se você ligar a máquina de lavar de meio-dia às quatro horas, é um bom horário para gastar energia”.
A especialista conclui enfatizando a responsabilidade coletiva na transição energética: “A gente só vai, de fato, alcançar os objetivos do clima se o setor produtivo fizer escolhas conscientes e se a sociedade, se os consumidores também fizerem.” Para ela, os data centers representam não apenas uma oportunidade econômica, mas um catalisador de transformação energética nacional sustentável.
Assista à integra da entrevista