De Dubai à bioeconomia: especialista defende alternativas à exploração na Amazônia

Linda Murasawa analisa como o Brasil poderia usar recursos para desenvolver tecnologias verdes

Everton Amaro/Divulgação
Foto: Everton Amaro/Divulgação

A exploração de petróleo na Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, tem sido um dos temas mais debatidos da política energética brasileira nos últimos anos. A Petrobras defende o projeto, estimando um potencial de até 5,6 bilhões de barris de petróleo na região. O Ibama, por sua vez, negou a licença ambiental mais de uma vez, citando a necessidade de mais estudos sobre os impactos em um ecossistema que abriga recifes de corais e alta biodiversidade marinha. O debate segue em aberto, dividindo especialistas entre a necessidade de segurança energética e os riscos ambientais envolvidos.

Para Linda Murasawa, especialista em sustentabilidade e finanças sustentáveis que atua há mais de duas décadas no setor, a questão vai além do embate ambiental versus econômico. Professora de pós-graduação e consultora na área de ESG, Murasawa defende que o Brasil está diante de uma escolha estratégica: investir em um modelo energético do passado ou apostar na economia do futuro.

Nesta entrevista, ela explica por que considera a exploração na Foz do Amazonas uma decisão de curto prazo que compromete a resiliência do país no longo prazo. Leia abaixo:

Qual é a sua avaliação sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas?

É uma decisão de pensamento de curto prazo em detrimento da criação da resiliência de longo prazo do país. Espero que o governo tenha ciência disso, porque é uma decisão crítica. Poderia estar criando novas oportunidades com a utilização desses recursos e gerando novas soluções para o futuro energético do Brasil.

Por que deveríamos considerar alternativas ao petróleo?

Primeiro, é preciso entender o contexto atual. O mundo inteiro depende do petróleo. Temos uma economia baseada nele desde a década de 1930. E o petróleo não é apenas diesel e gasolina — está no plástico, na roupa sintética, nos remédios, nos cosméticos. Está em praticamente tudo.

O grande dilema é que o petróleo é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa. E há um segundo problema: ele é finito, não é renovável. A Petrobras tem reservas até 2060. As grandes reservas mundiais chegam até 2080. Se não fizermos nada, em 2070 ou 2080 teremos um colapso energético global, porque não haverá mais essa fonte de energia.

O que países como os Emirados Árabes estão fazendo diferente?

Os países árabes, que sempre foram o cartel do petróleo, têm plena consciência da finitude desse recurso. E estão investindo pesadamente em alternativas. Dubai é um exemplo notável. No meio do deserto, construíram uma cidade que já não depende do petróleo para sobreviver.

Energia: no deserto há sol em abundância. Dubai tem usinas solares e não falta energia elétrica. Água: dessalinizam a água do mar para abastecer toda a população. Não falta água no meio do deserto. Alimentos: possuem estufas com tecnologia avançada, irrigação controlada e pesquisa genética aplicada. Não falta comida. E o sal que sobra da dessalinização? Dubai é exportador de sal.

Eles fazem pesquisas intensas para garantir que, quando o petróleo acabar, continuarão prosperando. O mundo visita Dubai como atração turística — veículos elétricos, drones, até pista de esqui no deserto. As pessoas se encantam, mas não percebem a estratégia por trás: o investimento maciço em pesquisa e desenvolvimento para a transição energética. Quando esgotar a última gota de petróleo, o resto do mundo pode parar, mas Dubai não.

Que alternativas o Brasil deveria explorar?

Em vez de explorar a Foz do Amazonas, por que não aproveitar os 8.500 km de costa brasileira para geração de energia maré motriz ou produção de hidrogênio? O Brasil tem biodiversidade única, minerais raros, espaço territorial. Por que não investir massivamente em bioeconomia?

Temos exemplos concretos do potencial desperdiçado. O captopril, medicamento para pressão arterial, foi extraído do veneno da jararaca brasileira. Gera cerca de 5 bilhões de dólares em royalties anuais. Mas quem lucra? Não é a jararaca, não é o Brasil. Foi um pesquisador estrangeiro que veio aqui, estudou o veneno e transformou aquilo em remédio. Por que o Brasil não faz essa pesquisa?

O açaí foi “descoberto” por um americano que visitou as florestas tropicais, comeu a fruta e percebeu que era um superalimento. Henry Ford veio ao Brasil fazer pesquisa sobre borracha em 1920. E o Brasil, até hoje, não prestou a devida atenção ao seu próprio potencial.

Há exemplos internacionais inspiradores. Israel, que é praticamente um deserto, não tem problema de segurança alimentar. Como? Investimento massivo em tecnologia agrícola, estufas avançadas e gestão eficiente de recursos hídricos. O Brasil, com sua abundância natural, poderia fazer muito mais.

Como o Brasil poderia se tornar independente do petróleo?

Da mesma forma que os Emirados Árabes investem em Dubai, os recursos da exploração petrolífera deveriam estar sendo direcionados para transformar o Brasil em uma superpotência em bioeconomia. Podemos produzir hidrogênio por eletrólise, usando nossa extensa costa. Isso nos tornaria independentes de gasolina e diesel.

Temos múltiplas alternativas: hidrogênio, etanol, veículos elétricos alimentados por matriz renovável. O Brasil possui potencial inexplorado em energia maré motriz, geotérmica, eólica, solar e de biomassa, além da hídrica que já utilizamos.

Quando vemos a quantidade de potencial subutilizado e, em vez de investir nesses recursos para gerar, por exemplo, bioplástico… A Braskem possui tecnologia de bioplástico, é a única empresa no mundo com essa capacidade. Por quê? Porque ninguém mais investiu em pesquisa nessa área. Se investíssemos, poderíamos eliminar a dependência do petróleo para produção de plásticos.

Por que a senhora menciona o plástico especificamente?

Há uma demonização desse material que não considera seus usos essenciais. Durante a pandemia, se não tivéssemos seringas descartáveis, seria possível vacinar 7 bilhões de pessoas no planeta? Não.

Os resíduos encontrados poluindo o mar não saíram sozinhos do supermercado e se jogaram no oceano. Houve um ser humano intermediário responsável pelo descarte inadequado. O problema não é o material em si, mas como o utilizamos e descartamos.

Precisamos de mais incentivos à pesquisa, desenvolvimento e alternativas que saiam do modelo tradicional, do “business as usual”. O argumento de que devemos continuar explorando petróleo porque sempre funcionou assim reflete exatamente esse pensamento conservador: ver o modelo que existia e querer apenas replicá-lo, com a desculpa de que esse caminho já é conhecido.

Mas como a senhora vê as pressões que o governo enfrenta?

No setor financeiro, sabemos que são as decisões de curto prazo que trazem retorno mais rápido. É preciso entender as pressões existentes. O Brasil precisa gerar receita, está sob pressão fiscal e monetária. O governo busca soluções de curto prazo para resolver essas questões imediatas.

Mas não pode deixar de pensar no longo prazo. No meu entendimento, deveria focar mais nas oportunidades do que nos riscos. Essa escolha pode elevar indiretamente o risco-país — com possibilidade de aumento de emissões, nosso rating soberano pode ser afetado.

São questões difíceis de avaliar. As pessoas que trabalham no governo têm competência, mas são pressionadas por múltiplos fatores e nem sempre dispõem da visão completa necessária para tomar a melhor decisão naquele momento. É complicado fazer julgamentos simplistas sobre isso.

A senhora acredita na capacidade humana de fazer essa transição energética?

Acredito totalmente. O ser humano tem um potencial extraordinário. Não é à toa que chegamos à Lua, que nossos satélites já ultrapassaram nossa galáxia. Recentemente vi fotos de Júpiter tiradas por satélites da NASA com uma resolução impressionante. Se temos essa capacidade de conquista tecnológica, temos também a capacidade de resolver os desafios energéticos e climáticos.

A questão central é: para onde queremos direcionar nossos recursos? Explorar petróleo gera receita imediata, mas não constrói resiliência para o futuro. Poderíamos estar investindo em bioeconomia, hidrogênio verde, tecnologias que nos posicionariam como líderes da economia sustentável global.

Minha visão pessoal é que essa escolha pela exploração petrolífera não é a que eu, como alguém que observa clima e sustentabilidade, faria. Priorizaria o investimento em soluções que garantam nossa competitividade nas próximas décadas, não apenas nos próximos anos.