Em março deste ano, uma chuva intensa que atingiu a cidade de São Paulo durante duas horas resultou em 330 árvores caídas no município. O impacto interrompeu o fornecimento de energia, derrubou postes e deixou bairros inteiros sem luz ao longo de dias. O episódio, que também resultou na morte de um taxista, é um exemplo de como eventos climáticos extremos geram efeitos em cascata sobre a infraestrutura urbana.
“Temos impacto em vidas, nos negócios, na economia, nas relações humanas, no patrimônio das famílias”, resume Élcio Batista, coordenador do programa Cidade +2°C do Centro de Estudos das Cidades do Laboratório Arq.Futuro, do Insper. O programa foi lançado em agosto e tem o objetivo de desenvolver soluções concretas e intersetoriais para adaptação das cidades brasileiras às mudanças climáticas.
Em entrevista ao programa IstoÉ Sustentável, Batista fez um diagnóstico sobre os limites do planejamento urbano diante das mudanças do clima. Para ele, os centros urbanos não estão preparados para lidar com o que se tornou o novo padrão: calor intenso, eventos climáticos extremos, menos previsibilidade e consequências cada vez mais difíceis de controlar.
“Quando olhamos para os eventos extremos e os relacionamos com as cidades, estamos falando de cinco tipos que podem ter grandes impactos em centros urbanos, como inundações, deslizamentos, secas, ondas de calor e aumento do nível do mar”, afirmou. Não se trata apenas de fenômenos pontuais, mas de acontecimentos que desorganizam o funcionamento cotidiano e escancaram a falta de preparo dos municípios para os problemas contemporâneos. Um mesmo episódio pode paralisar o transporte público, derrubar a energia de bairros inteiros e causar perdas econômicas em cadeia.
Ele ressalta que esses impactos não acontecem de forma isolada. O calor, por exemplo, não atinge todas as regiões de uma cidade da mesma forma. Em áreas com alta densidade de moradias e pouca ventilação, a temperatura pode ser muito mais alta do que a média registrada no município. “Enquanto as regiões da Faria Lima ou da Paulista podem ter temperaturas acima de 40ºC, regiões periféricas chegam a alcançar 50ºC”, afirma. “Há outras condições térmicas naqueles locais”, complementa.
A desigualdade na exposição ao calor extremo se soma a outros riscos agravados pela crise climática. Em cidades onde os córregos foram canalizados ou aterrados, chuvas fortes se tornam uma ameaça estrutural. Sem ter para onde escoar, a água avança sobre construções. “Um dos riscos é a formação de crateras de grandes dimensões dentro da cidade”, exemplifica. Quando isso acontece, a resposta precisa ser rápida, mas o planejamento urbano ainda não foi ajustado para lidar com esse tipo de urgência.
Novas referências
Para Batista, um dos principais desafios está na incapacidade de prever, com base no passado, a frequência ou a magnitude dos eventos climáticos que virão. “Não há um histórico para saber quando esse tipo de evento vai acontecer. Também não temos como dimensionar a intensidade desses eventos, porque os registros do passado não são suficientes para projetar o futuro.” Ele argumenta que as cidades precisam começar a trabalhar com projeções, simulações e cenários, justamente porque os padrões existentes até agora deixaram de servir como referência.
Essa é uma das maneiras como o programa Cidade +2°C pretende atuar, com o uso de modelagens urbanas baseadas nos cenários climáticos definidos pelo Acordo de Paris e, inclusive, aqueles que extrapolam as metas do acordo. O tratado, firmado em 2015, estabeleceu o compromisso de limitar o aumento da temperatura média global a menos de 2 °C, com esforços para conter esse avanço em 1,5 °C. Para Batista, essas metas devem orientar desde planos diretores até investimentos em infraestrutura e políticas de prevenção. “Temos que criar cenários para as diferentes projeções de aquecimento médio do planeta. O mesmo vale para os volumes de chuva”, explica.
Trabalhar com cenários não significa tentar adivinhar o futuro, mas entender quais sistemas urbanos estão mais vulneráveis e o que pode ser feito agora para reduzir danos. “Cada vez mais as cidades vão ter que trabalhar com cenários para que elas possam se antecipar a partir da adaptação a esses possíveis acontecimentos”, diz. Isso exige inteligência técnica, equipes preparadas, base de dados e investimento. E, principalmente, decisão política.
A conta do clima
O custo da adaptação é um dos pontos centrais no debate sobre adaptação no meio urbano. Segundo Batista, os recursos disponíveis atualmente estão mais direcionados para medidas que promovem a mitigação, ou seja, reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Contudo, os recursos para adaptação ainda são escassos e é preciso aumentar o montante investido atualmente. O tema se conecta ao conceito de financiamento climático, que busca organizar fluxos de recursos para reduzir riscos e preparar as cidades para os efeitos das mudanças do clima.
Antecipar investimentos em adaptação tende a ser menos oneroso do que arcar com os prejuízos deixados por enchentes, secas ou ondas de calor. A inação, nesse sentido, tem um custo que não se limita às perdas econômicas, mas envolve também impactos sobre vidas humanas, infraestrutura e serviços básicos.
Para Batista, a resposta passa por ampliar o acesso a dados, usar inteligência para orientar decisões e revisar os modelos de gestão. “Isso precisa de muita inteligência, trabalhar com muitos dados e repensar os modelos que a gente tem hoje”, afirma. O desafio, diz ele, é mobilizar recursos e responsabilidade de forma compartilhada, antes que o próximo evento extremo volte a expor os limites das cidades.