A falta de investimentos em resiliência e adaptação climática já custou US$ 525 bilhões aos países em desenvolvimento nas últimas duas décadas. Esse é o alerta de um relatório que foi lançado nesta quinta-feira, 13, na COP30, em Belém, e que demonstra uma mudança na narrativa: reverter essa tendência não apenas protege populações vulneráveis, mas representa uma oportunidade econômica concreta. Cada dólar investido em adaptação gera mais de quatro dólares em benefícios econômicos e sociais, com potencial de criar 280 milhões de novos empregos até 2035.
O estudo foi apresentado durante o side event – um evento paralelo oficial da COP30 – “A estrada a partir de Belém: como a COP30 vai impulsionar ‘uma nova era de implementação’ em resiliência e adaptação”, na Blue Zone da conferência. O momento é estratégico: a liderança brasileira na COP busca colocar a adaptação climática no centro das discussões globais sobre financiamento.
Para Patrícia Ellen, sócia-presidente da Systemiq Latam e ex-secretária de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, o documento chega em um momento de inflexão. “Estamos falando de uma mudança de paradigma. Pela primeira vez, temos evidências robustas de que investir em resiliência não é um custo, mas sim um motor de desenvolvimento econômico e social”, afirma. Ela destaca que o Brasil, como anfitrião da COP30, tem papel fundamental nessa transformação. “O país está em uma posição única para mostrar ao mundo que é possível conciliar desenvolvimento, justiça social e resiliência climática.”
Segundo as estimativas, seriam necessários US$ 350 bilhões por ano até 2035 para construir resiliência em mercados emergentes e economias em desenvolvimento. O volume parece robusto, mas os retornos projetados justificam o investimento: além de gerar quatro vezes mais benefícios do que o aporte inicial, os recursos podem impulsionar o PIB em até 15% até 2050 nos países mais vulneráveis.
O mercado global de adaptação e resiliência representa uma fronteira econômica em expansão acelerada, com projeções de atingir entre US$ 500 bilhões e US$ 1,3 trilhão por ano até 2030. “Quando falamos em resiliência, estamos falando de uma infraestrutura mais inteligente, de sistemas agrícolas mais produtivos, de cidades mais seguras”, explica Patrícia. “São investimentos que reduzem perdas, mas também abrem novos mercados e oportunidades de negócios.”
Os números corroboram essa visão: os ganhos médios anuais chegam a 25% de retorno econômico, incluindo redução direta de mortes e perdas materiais causadas por eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes e intensos.
Setor privado é essencial para fechar a conta
O cenário futuro sem ação adequada é ainda mais preocupante. Sem medidas concretas, o PIB global pode cair entre 18% e 23% até 2050, com perdas corporativas superiores a US$ 1,2 trilhão.
“Os números mostram que não agir sai muito mais caro do que investir em adaptação”, pondera Patrícia. “Estamos perdendo vidas, destruindo comunidades e desperdiçando recursos que poderiam estar gerando desenvolvimento.”
Para atingir os US$ 350 bilhões anuais necessários, porém, o financiamento público não será suficiente. O engajamento do setor privado é essencial para mobilizar recursos em escala adequada. Patrícia enfatiza que essa participação não representa apenas uma responsabilidade social, mas uma oportunidade de negócios. “O setor privado precisa entender que resiliência climática é um investimento estratégico, não filantropia. Estamos falando de proteger cadeias de suprimento, garantir continuidade operacional e acessar mercados em crescimento acelerado.”
Ainda assim, barreiras estruturais impedem a mobilização de recursos na escala necessária. O relatório identifica a subvalorização sistemática dos riscos climáticos por governos e mercados financeiros, a falta de dados confiáveis e instrumentos financeiros adequados, além do custo elevado de capital para países em desenvolvimento.
Uma das distorções mais graves é a desproporção entre investimentos em infraestrutura resiliente e não resiliente. Para cada dólar investido em infraestrutura adaptada ao clima, US$ 87 são direcionados para obras que ignoram os riscos climáticos – uma equação que perpetua vulnerabilidades e desperdiça recursos.
“Temos um sistema financeiro global que ainda não precifica adequadamente o risco climático”, analisa Patrícia. “Isso leva a decisões de investimento que criam ativos já obsoletos ou vulneráveis desde o início.”
Agenda de ação e o papel da COP30
Para superar essas barreiras, o relatório propõe uma agenda estruturada em três pilares: integrar resiliência nas decisões econômicas e financeiras, em nível nacional e corporativo; mobilizar financiamento público e privado com reformas de políticas que incentivem investimentos resilientes; e implementar os 15 “Melhores Investimentos em Adaptação e Resiliência” (A&R Best Buys).
Esses investimentos prioritários concentram-se em seis setores estratégicos: alimentação, água, saúde, infraestrutura, comunidades e negócios, além de natureza e ecossistemas. “Não estamos falando de ações genéricas, mas de intervenções específicas com evidências de alto retorno”, ressalta Patrícia. “São medidas que vão desde sistemas de alerta precoce até agricultura resiliente ao clima, passando por infraestrutura urbana adaptada.”
A COP30 é apontada como um momento político decisivo para transformar resiliência em eixo central da agenda global de investimentos climáticos. A expectativa é que a conferência em Belém crie mecanismos concretos de financiamento e estabeleça compromissos vinculantes para acelerar a implementação de medidas de adaptação.
“Este pode ser o ponto de virada que tanto esperamos”, avalia Patrícia. “Temos as evidências, temos as soluções, agora precisamos de vontade política e mobilização financeira. O Brasil tem a oportunidade de liderar essa transformação e mostrar que uma nova era de implementação é possível.”
O sucesso da agenda de resiliência dependerá da capacidade de conectar as discussões técnicas sobre financiamento climático com as realidades concretas de países e comunidades vulneráveis. “No fim das contas, estamos falando de vidas, de futuro, de dar às próximas gerações a chance de prosperar em um planeta em transformação”, conclui.