A poucos meses da COP30 em Belém, que colocará a Amazônia no centro das discussões climáticas em novembro de 2025, um estudo encomendado pela EY, empresa de auditoria e consultoria, e coordenado pelo Instituto Amazônia 4.0 apresenta um modelo para transformar a sociobioeconomia em riqueza mensurável.
O Estudo de Viabilidade para Implantação de Hubs de Inovação na Região Panamazônica aponta que a criação de uma rede de hubs voltados à pesquisa, beneficiamento e comercialização de produtos da sociobiodiversidade pode gerar até 620 mil empregos verdes diretos e R$ 8,3 bilhões por ano em valor agregado até 2035.
Para Ricardo Assumpção, sócio-líder de Sustentabilidade e CSO LATAM da EY, o momento exige uma mudança de paradigma. “O primeiro passo para que o hub saia do papel é demonstrar sua viabilidade econômica, que é um bom negócio”, afirma. Segundo ele, está provado que gerar impacto socioambiental requer projetos escaláveis com retorno financeiro. “O estudo traz o potencial econômico ao desenvolver os hubs de inovação”, diz.
A proposta apresenta quatro tipologias — fluvial, urbana, agroindustrial e territorial — focadas em cadeias como açaí, castanha-do-Brasil, cacau, óleos vegetais e bioativos. Cada hub fluvial exigirá um investimento de R$ 19 milhões, com retorno em até 60 meses. A governança será multissetorial, baseada no modelo de tríplice hélice, com o Instituto Amazônia de Tecnologia (AmIT) como articulador da rede e responsável pelo monitoramento de indicadores e certificações.
Da floresta ao mercado: o desafio logístico
O transporte representa um dos entraves mais críticos para a bioeconomia amazônica. Embora 70% das cargas circulem por via fluvial, a infraestrutura permanece defasada, com custos 35% superiores ao modal marítimo. As perdas pós-colheita chegam a 25% em produtos perecíveis, segundo dados do IBGE.
Como resposta, o estudo desenha uma Plataforma Logística Fluvial Inteligente: barcos-indústria movidos a energia solar para processamento local, rotas otimizadas com tecnologia SIG e blockchain de origem, entrepostos com biofábricas e refrigeração solar. A estrutura deve reduzir em 40% os custos logísticos, diminuir em 25% as perdas pós-colheita e evitar emissões de 1,8 milhão de toneladas de CO₂ por ano.
Assumpção reconhece que a transformação exige uma ruptura com o modelo atual. “A estrutura da Amazônia é dispersa. O transporte fluvial acontece da mesma forma há 40 anos”, observa. “É necessário mudar essa cultura. Estudos como este demonstram que uma reorganização pode gerar benefícios econômicos.”
Bioeconomia como estratégia industrial
No Amazonas, a economia concentra-se em Manaus, impulsionada pela Zona Franca e pelo Polo Industrial, com baixa interiorização. No Amapá, o isolamento geográfico e a dependência do setor público limitam o desenvolvimento. O Pará apresenta a melhor infraestrutura da região — rodovias, ferrovias e portos integrados — mas enfrenta baixa diversificação produtiva e desafios na agregação de valor aos produtos extrativos.
Para Assumpção, a sociobioeconomia não é uma apenas agenda ambiental, mas uma estratégia industrial e de negócios. “Enquanto o mundo discute carbono, a Amazônia discute valor. Aqui, a floresta é indústria, inovação e economia real”, afirma. Para Assumpção, é possível fazer um comparativo histórico: “tivemos ciclos econômicos marcantes como o da borracha e do ouro. A sociobioeconomia terá esse mesmo impacto em um futuro cada vez mais próximo.”
O potencial das cadeias é evidenciado por dados concretos. O açaí movimenta R$ 4,9 bilhões anualmente, com exportações de US$ 420 milhões; a castanha-do-Brasil gera R$ 1,8 bilhão por ano e envolve 120 mil extrativistas; os óleos e bioativos amazônicos têm um potencial de R$ 6,4 bilhões anuais até 2030, sendo que 80% permanece inexplorado.
Para colocar os planos em ação, a proposta de governança tem como base a articulação entre três atores. Com relação ao poder público, o Governo Federal atuará na formulação de políticas públicas e articulação institucional, os estados contribuirão com cofinanciamento e logística regional, enquanto os municípios assumirão a cogestão territorial e a integração com cooperativas. Por sua vez, a academia oferecerá pesquisa aplicada e formação de talentos, e as empresas serão responsáveis pelo beneficiamento local, certificações e acesso a mercados premium.
Assumpção enfatiza que não se trata de seguir um modelo convencional: “teremos que trabalhar em uma agenda de cooperação e complementaridade entre iniciativa privada, governos, sociedade civil e universidades”. Segundo ele, as empresas transformarão inovação em negócios, com participação comunitária e inclusão produtiva, enquanto os governos garantirão marcos legais, infraestrutura e apoio institucional.
COP30 como catalisador
A realização da COP30 em Belém representa uma oportunidade para o Brasil demonstrar que desenvolvimento e conservação não são forças opostas, mas complementares. Para Assumpção, a conferência tem um papel fundamental nessa mudança de mentalidade para um momento de tomada de ação e implementação.
Os impactos projetados vão além da geração de empregos e valor agregado. A renda das famílias extrativistas pode subir de R$ 1.200 para R$ 3.500 mensais — quase o triplo. A inclusão de povos originários e comunidades ribeirinhas ocorrerá via Empresas de Participação Comunitária (EPCs), garantindo um protagonismo local no processo.
Em nota, Carlos Nobre, climatologista e idealizador do AmIT, afirmou que: “a floresta pode ser o maior laboratório de inovação natural do planeta, desde que criemos infraestrutura e mercado justo”.
A iniciativa alinha-se ao Plano Nacional de Bioeconomia e às projeções do Banco Mundial, que apontam um potencial de triplicar o PIB da Amazônia até 2035, alcançando R$ 700 bilhões por ano, com a floresta em pé e cadeias rastreáveis. O cronograma de implantação divide-se em três fases: mapeamento estratégico (2025-2027), operação e validação (2027-2029) e aceleração e consolidação (2029-2030).
Para Assumpção, a mensagem é direta: “a floresta é o futuro da economia. E o futuro da economia começa agora, na Amazônia.” Para viabilizar essa visão, o estudo posiciona os hubs como uma aposta em implementação prática, com metas mensuráveis em empregos, renda e emissões evitadas.