Natura prepara ‘roteiro turístico da bioeconomia’ para público da COP30

Visitas a comunidades e à fábrica no Pará buscam demonstrar viabilidade do modelo de negócios na Amazônia

Thiago Theo/ Divulgação
Foto: Thiago Theo/ Divulgação

Quando uma árvore de ucuúba deixa de ser cortada para virar cabo de vassoura e passa a fornecer manteigas para cosméticos duas vezes ao ano, ela vale três vezes mais para quem vive na floresta. É esse tipo de conta que empresas como a Natura querem colocar em evidência durante a COP30, em novembro, em Belém. Pela primeira vez, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas acontece na Amazônia. Para a maior empresa de cosméticos da América Latina, que há 25 anos mantém operações na região, a conferência representa uma chance de demonstrar viabilidade econômica em um modelo que ainda divide opiniões no mercado.

A bioeconomia brasileira movimenta cerca de R$ 400 bilhões ao ano, mas o potencial estimado chega a trilhões de reais. O desafio está em convencer investidores e outras empresas de que o modelo funciona financeiramente. A Natura pretende usar as duas semanas do evento para mostrar sua cadeia de produção na Amazônia.

“A COP é um momento importante. Sustentabilidade tem que estar completamente conectada com a estratégia do negócio, não pode ser algo apartado”, afirma Angela Pinhati, diretora de Sustentabilidade da Natura. “Quanto mais o negócio cresce, mais o impacto positivo que geramos para as pessoas e para o planeta pode ser escalado.”

A estratégia prevê o que a empresa chama de “roteiro turístico da bioeconomia” – visitas que vão do Ecoparque, polo industrial localizado a 35 quilômetros de Belém, até as comunidades ribeirinhas que fornecem ingredientes usados em metade do portfólio da marca. A ideia é apresentar diversos elos da cadeia produtiva, das comunidades que cultivam e beneficiam os ingredientes amazônicos até a fábrica focada na produção de sabonetes e na pesquisa dos benefícios dos ativos da região.

“Temos recebido demanda desde empresas multinacionais, que não conhecem e querem conhecer a nossa operação, até pessoas de instituições globais”, diz Angela. A expectativa é que investidores e executivos participem do roteiro.

“É difícil explicar que, para nós, a sustentabilidade é o próprio negócio”, explica a executiva. “O objetivo é deixar claro para investidores e outras empresas que isso é fonte de inovação e diferenciação.”

O modelo e seus desafios

A proposta representa a evolução de 25 anos de atuação na região. Atualmente, a Natura trabalha com 46 comunidades na floresta amazônica – incluindo Brasil, Equador, Peru e Colômbia –, envolvendo cerca de 12 mil famílias. Destas, 10 mil estão na Amazônia brasileira.

No ano 2000, a operação começou com a compra de folhas e sementes, transportadas por quase 3 mil quilômetros até São Paulo para processamento. Caro e ineficiente, esse formato logo mostrou suas limitações. Com o aumento da demanda, ficou claro que era necessário mudar a estrutura logística.

A solução veio com a instalação de 21 agroindústrias dentro das próprias cooperativas. Em vez de comprar sementes, a empresa passou a adquirir óleos e manteigas processados localmente, o que fez com que os produtos ganhassem cerca de 50% a mais em valor agregado. Segundo Angela, isso reduziu os custos logísticos, a complexidade operacional e as emissões indiretas de carbono na cadeia de fornecedores, além de aumentar a geração de renda nas comunidades.

O Ecoparque, inaugurado em 2014, completou a cadeia. A fábrica produz mais de 1 milhão de sabonetes por dia, e 93% do time é formado por moradores da região, incluindo toda a liderança. “Foi uma jornada difícil porque, quando instalamos a indústria no início, era uma área que não tinha vocação para produção industrial”, diz Angela.

Onze anos depois, a executiva avalia que as condições para operar na região melhoraram significativamente. “Estamos em uma condição de competitividade muito melhor. Capacitamos tanto a nossa mão de obra que o Ecoparque é uma das nossas melhores fábricas em eficiência”, afirma. A região também evoluiu: chegaram operadores logísticos e foi instalada uma universidade na região do polo industrial.

Para Angela, essa transformação ilustra a responsabilidade das empresas no desenvolvimento regional. “Nosso CEO fala que toda vez que se abre um CNPJ, é um pedido de licença para a sociedade para operar. E a sociedade espera que a empresa retribua de alguma forma”, diz. “Quanto mais empresas forem, mais desenvolvida fica a região e, aos poucos, vamos eliminar os gaps.”

Angela Pinhati, diretora de Sustentabilidade da Natura

Esse será um dos argumentos nas visitas previstas para a COP30. “A visita em campo é liderada inteiramente pela comunidade. Eles mostram a priprioca, que usamos para perfumaria, e contam todo o processo de desenvolvimento”, explica a executiva. Geralmente, os visitantes também participam de um banho de cheiro com espécies da região – uma prática tradicional local.

Um ponto que a Natura destaca: não há contratos de exclusividade com as cooperativas. Segundo Angela, o objetivo sempre foi fortalecer essas organizações para que tenham diversos clientes. “Se aquela comunidade depende apenas da Natura e precisamos descontinuar uma linha, acabamos prejudicando a comunidade”, justifica.

O trabalho equilibra conhecimento tradicional e comprovação científica. O patauá é um exemplo: as comunidades sempre usaram o óleo no cabelo, e pesquisas comprovaram que ele fortalece os fios. O tucumã, outro caso, revelou que seu uso estimula a produção de ácido hialurônico, o que permitiu substituir ingredientes sintéticos em cremes.

Outro projeto que deve ganhar destaque na COP30 é o sistema agroflorestal para palma de dendê. A Natura, junto com a cooperativa Camta e a Embrapa, pesquisou durante 15 anos como plantar a palma – que não é nativa da floresta amazônica – junto com espécies nativas da região. A pesquisa comparou a produtividade em um sistema agroflorestal com uma monocultura e concluiu que é possível fazer a transição sem perder eficiência produtiva.

Atualmente, há 650 hectares implementados. A ambição é chegar a 12 mil hectares. Para acelerar o processo, a empresa anunciou na Climate Week de Nova York uma parceria com o Banco do Brasil para o financiamento de pequenas famílias, em um montante de R$ 50 milhões. Segundo Angela, a tecnologia pode ser exportada para outras regiões do mundo onde houve desmatamento por palma, como a Indonésia e outros países asiáticos.

O modelo de geração de renda vai além da compra de insumos. A empresa paga por repartição de benefícios vinculados ao conhecimento tradicional e por serviços socioambientais, com contratos de 30 anos para manter a floresta em pé. Agora, a estruturação de um roteiro turístico desponta como uma quarta fonte de receita.

“A demanda de visitas para as comunidades está aumentando cada dia mais e, durante uma visita, muitos param de colher para receber as pessoas”, explica Angela. A empresa já fez um piloto com cobrança de inscrições durante um encontro de empresas B no Pará e agora trabalha para ajudar as comunidades a se estruturarem melhor para receber visitantes.

A empresa estima que sua rede de fornecimento contribui para a conservação de 2,1 milhões de hectares de floresta em pé. Um estudo da Warwick University acompanhou a região por dez anos e identificou que as áreas onde há operação têm desmatamento menor do que o entorno.

O contexto da COP30

A conferência acontece em um momento crítico. Desde o Acordo de Paris, assinado em 2015, os países se comprometeram a limitar o aquecimento global a 1,5°C até 2100. Dez anos depois, as emissões globais de carbono seguem crescendo. A conferência de Belém coincide com o prazo para os países apresentarem suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) – os compromissos climáticos elaborados de forma voluntária por cada nação.

Dados do MapBiomas mostram que, entre 1985 e 2024, a Amazônia perdeu 52,1 milhões de hectares de cobertura vegetal nativa. Embora o desmatamento tenha caído 30,6% em 2024 em relação ao ano anterior, segundo dados do INPE, o Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2030 e reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa.

“Mundialmente, as pessoas falam de floresta amazônica e a maior parte delas nunca pisou lá. Mesmo para nós, brasileiros de São Paulo, conhecemos a floresta, mas não fazemos parte dela”, diz Angela.

A executiva reconhece que as negociações são complexas – quase 200 países precisam tomar decisões em consenso. Mas afirma que o setor privado é um protagonista necessário. “A grande transformação dos países passa pelo setor privado. Se tomarmos essa agenda como nossa, cada indústria fazendo sua parte, as mudanças acontecem.”

A Natura integra a iniciativa C.A.S.E. (Climate Action Solutions & Engagement), lançada em agosto com Bradesco, Itaúsa, Itaú Unibanco, Nestlé e Vale. O grupo terá um espaço dedicado na COP30 para apresentar casos de aplicação de bioeconomia.

“É um momento que catalisa e pode potencializar a evolução desse modelo de negócio. Nosso papel é mostrar como fazemos e que é possível replicar e escalar”, diz Angela.