Enquanto líderes globais debatem metas climáticas na COP30, em Belém, a indústria alimentícia enfrenta o desafio de descarbonizar uma de suas áreas mais complexas: a produção agropecuária. No primeiro dia da conferência, a Nestlé Brasil formalizou um acordo de cooperação geral com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) para acelerar o desenvolvimento de pesquisas voltadas à redução de emissões nas cadeias de leite e cacau. O anúncio ganha relevância diante do fato de que aproximadamente 70% da pegada de carbono da companhia vem do campo, sendo que a cadeia do leite sozinha responde por metade das emissões totais.
“Este acordo reafirma nossa convicção de que a ciência, quando aliada à prática, tem um papel essencial na construção de sistemas alimentares mais saudáveis, resilientes e regenerativos”, afirma Marcelo Melchior, CEO da Nestlé Brasil.
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O Brasil ocupa uma posição estratégica nessa equação. Terceiro maior mercado consumidor da Nestlé no mundo, atrás de Estados Unidos e China, o país também fornece cerca de 25% dos principais ingredientes adquiridos pela empresa globalmente, como cacau, café e leite. A companhia estabeleceu metas de reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa até 2030 e alcançar emissões líquidas zero até 2050, tendo 2018 como ano-base.
O acordo contempla dois projetos: um para testar o perfil de emissão de gases de efeito estufa de vacas em lactação submetidas a diferentes dietas, e outro voltado ao desenvolvimento de sistemas agroflorestais mais eficientes na produção de cacau. Segundo a Embrapa, o plantio sombreado de cacau em sistemas agroflorestais é uma das características da produção na Amazônia, tornando a integração com a floresta o modelo recomendado para a região na perspectiva da descarbonização.
Da teoria ao campo
O principal programa da Nestlé para a cadeia leiteira é o Nature por Ninho, que ilustra como a transição para práticas regenerativas vem sendo implementada no Brasil. Com cerca de 1.000 produtores participantes, a iniciativa compra cerca de 1 bilhão de litros de leite por ano no país — o maior volume de compra da empresa em escala global.
O programa opera em um sistema de níveis progressivos — Bronze, Prata, Ouro e Diamante —, no qual produtores são remunerados conforme adotam práticas sustentáveis. A bonificação varia de 2% a 5% por litro de leite, a depender do conjunto de práticas regenerativas implementadas na fazenda.
Os dados da safra de 24/25 mostram diferenças significativas entre fazendas em estágios distintos do programa. Ao comparar propriedades classificadas no nível Ouro com as de nível Bronze, observou-se um aumento de 47% na produtividade, a redução de 8% nos custos e a diminuição de 39% nas emissões de gases de efeito estufa. As fazendas mais avançadas também reduziram em 16% a aplicação de nitrogênio sintético e cultivaram 47% mais variedade de espécies. Enquanto a média nacional é de 8 litros por vaca, as propriedades do programa atingem 40 litros.
Em Goiás, propriedades de pequeno e médio porte que aderiram recentemente ao programa demonstram o potencial de transformação. Fazendas familiares que iniciaram operações com rebanhos modestos e produção limitada conseguiram multiplicar significativamente sua capacidade produtiva após receberem consultoria técnica e acesso a incentivos financeiros para investir em genética e práticas regenerativas.
A agricultura regenerativa — baseada em plantio direto, rotação de culturas e cobertura permanente do solo em áreas livres de desmatamento — é o principal vetor da transformação no campo. Atualmente, o programa implementou essas práticas em áreas que equivalem a 28 mil campos de futebol. As ações voltadas ao bem-estar animal também integram a estratégia: 39 mil vacas estão em sistemas compost barn, que proporciona conforto e bem-estar ao gado, e 8 mil utilizam colares com inteligência artificial para monitoramento de comportamento e saúde.
Entre 2025 e 2027, a Nestlé destinará R$ 150 milhões ao programa, com foco em apoiar a adoção de práticas que reduzem emissões, aumentam eficiência produtiva e regeneram o solo.
Crédito e ciência como alavancas
Uma das principais barreiras para a expansão de práticas sustentáveis é o acesso a financiamento. Para enfrentar esse obstáculo, a Nestlé firmou em outubro de 2025 uma parceria com o Banco do Brasil que disponibilizará, inicialmente, R$ 100 milhões em linhas de crédito rural para projetos de descarbonização em fazendas participantes do Nature por Ninho.
“A parceria com a Nestlé é um exemplo concreto de como o Banco do Brasil atua para alavancar a aplicação sustentável do crédito rural e promover o desenvolvimento das cadeias produtivas”, afirma João Fruet, diretor de Corporate and Investment Bank do Banco do Brasil.
Por meio do acordo, a Nestlé orientará produtores na aplicação dos recursos em práticas regenerativas, garantindo que os investimentos resultem em impacto mensurável na sustentabilidade.
Bárbara Sollero, head de agricultura regenerativa da Nestlé, destaca: “A parceria com o Banco do Brasil rompe uma das principais barreiras para a transição em escala: o acesso ao financiamento com taxas competitivas. Acelerar a transformação da cadeia do leite é parte central da nossa estratégia porque traz mais eficiência para os produtores, mais resiliência para os sistemas produtivos e, como consequência, a descarbonização da operação”.
Aproveitando o momento da COP30, as instituições lançaram um Guia Nacional para Coleta de Dados de Pegada de Carbono do Leite, ferramenta que permitirá maior precisão na aferição de emissões e avaliação de impacto das práticas regenerativas.
“As parcerias entre o setor público e o privado são fundamentais para que o conhecimento científico se transforme em soluções concretas e escaláveis no campo. A união entre a Embrapa e a Nestlé mostra que é possível conciliar produtividade, competitividade e sustentabilidade, criando valor para toda a sociedade e contribuindo para a agenda de descarbonização do país”, afirma Silvia Massruhá, presidente da Embrapa.