“A COP30 será a COP da verdade“, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de abertura da conferência do clima da ONU em Belém, em uma era marcada por “fake news e desinformação” e “rejeição de evidências científicas”. Sem nomear diretamente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Lula continuou: “eles controlam os algoritmos, semeiam ódio e espalham medo”. E concluiu: “é hora de infligir uma nova derrota aos negacionistas“.
Pela primeira vez na história das Conferências das Partes (COPs) da UNFCCC, a integridade da informação foi incluída formalmente na agenda. A presidência brasileira criou a figura do enviado especial para integridade da informação sobre mudanças climáticas. Segundo a quarta carta da presidência, publicada em outubro de 2025, a função tem como principais atribuições coordenar esforços globais contra a desinformação climática, promover transparência nas comunicações sobre clima e fortalecer a confiança pública na ciência, trabalhando em conjunto com governos, plataformas digitais e sociedade civil.
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O legado da desinformação industrial
A crise climática não é apenas ambiental — é também uma crise de informação. Empresas de combustíveis fósseis investem em desinformação desde antes da criação da UNFCCC. O caso mais conhecido é o da petroleira Exxon, documentado pelo projeto ExxonKnew.org: desde a década de 1970, cientistas da empresa alertavam internamente sobre os riscos das mudanças climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis. Em vez de agir, a Exxon financiou campanhas multimilionárias para criar dúvida sobre a ciência climática e atrasar políticas de redução de emissões.
Segundo um relatório da coalizão Climate Action Against Disinformation (CAAD), divulgado durante a COP27 em 2022, entre 55% e 85% das populações pesquisadas em diferentes países acreditavam em pelo menos uma afirmação falsa sobre mudanças climáticas. O estudo revelou a escala do problema e como a desinformação permeia o entendimento público da crise.
Uma pesquisa mais recente do International Panel on Information and the Environment (IPIE), publicada em 2025 no relatório “Facts, Fakes and Climate Science”, mostrou que o negacionismo evoluiu: deixou de ser negação direta para se tornar ceticismo estratégico, focado em desacreditar a eficácia ou o custo das soluções propostas. O estudo confirmou que a desinformação é direcionada cada vez mais a líderes políticos e agências reguladoras, e que bots e trolls amplificam essas narrativas em escala, desempenhando papel central no adiamento de políticas públicas.
O livro “Climate Obstruction: A Global Assessment”, lançado em 2025 por mais de 100 pesquisadores da Climate Social Science Network, sediada na Universidade Brown, nos EUA, documenta como a ação climática tem sido — e continua sendo — sabotada por poluidores bem financiados e petro-estados, apresentando evidências de setor por setor dos esforços de obstrução, apesar do amplo apoio global às políticas climáticas.
Inteligência artificial amplifica a desinformação
A ameaça da desinformação climática ganhou novas dimensões com o uso de inteligência artificial. De acordo com uma reportagem da agência AFP, um relatório divulgado pela CAAD e pelo Observatório de Integridade da Informação (Oii) em novembro de 2025 identificou um aumento de 267% na desinformação relacionada à COP30 entre julho e setembro, com mais de 14 mil exemplos catalogados.
Entre os casos documentados, vídeos circularam nas redes sociais sugerindo que Belém não teria condições de sediar a conferência. Um deles mostrava supostas enchentes na cidade amazônica — mas a investigação do Oii revelou que “o repórter não existe, as pessoas não existem, a enchente não existe e a cidade não existe”. O vídeo era inteiramente gerado por IA. Outras peças de desinformação foram gravadas em Tbilisi, na Geórgia, ou usavam imagens antigas, de dois anos atrás.
Carlos Milani, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, observa que as narrativas falsas também levam à intimidação de cientistas e ativistas. “A negação climática no Brasil é promovida mais explicitamente por figuras de extrema-direita, um pequeno grupo de ativistas antiambientalistas e líderes ultraconservadores”, afirmou à AFP.
O consenso científico e os desafios da comunicação
O conceito de “verdade” no contexto climático encontra respaldo no consenso científico. Estudos de meta-análise, como o publicado por John Cook em 2016 na revista Environmental Research Letters, demonstra que 97% dos cientistas que estudam o clima concordam que o aquecimento global foi causado pela ação humana. Pesquisas mais recentes elevam esse consenso para mais de 99%, segundo estudo de 2021 publicado na mesma revista por Mark Lynas, que analisou mais de 88 mil artigos sobre clima.
Apesar desse consenso na comunidade científica, a percepção pública permanece distante desses números. A pesquisa da CAAD revelou que a maioria das populações ainda acredita em pelo menos uma afirmação falsa sobre mudanças climáticas, evidenciando uma lacuna significativa entre o conhecimento científico e o entendimento do público.
Dados recentes mostram que mais de 80% das pessoas desejam ações climáticas mais fortes, e 69% dizem que contribuiriam com 1% de sua renda mensal para apoiá-las. Contudo, tanto os participantes da Assembleia do Meio Ambiente das Nações Unidas (órgão decisório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) quanto o público em geral subestimam essa disposição para mobilização. “Este é o impacto da desinformação climática”, afirma a CAAD. “Os gastos da Big Carbon e os algoritmos da Big Tech estão nos impedindo de ver e ouvir uns aos outros online. Em vez disso, somos expostos a uma mentira após a outra.”
A inclusão da integridade da informação na agenda da COP30 representa um reconhecimento institucional de que essa lacuna não é acidental. O relatório do IPIE documenta como a desinformação climática é direcionada sistematicamente a tomadores de decisão e como plataformas digitais amplificam narrativas que contradizem o consenso científico estabelecido.
Respostas institucionais emergentes
A ONU e os governos estão começando a responder à disseminação da desinformação, segundo pesquisadores. A Lei de Serviços Digitais da União Europeia, por exemplo, visa aumentar a transparência e a responsabilidade entre plataformas e anunciantes.
Com a integridade da informação sendo colocada pela primeira vez na agenda da ONU, “estamos finalmente indo na direção certa”, afirma a CAAD em seu relatório pré-COP30.
O desafio não está na existência de evidências científicas — que são abundantes e convergentes — mas em como essas evidências são comunicadas, distorcidas e, em muitos casos, deliberadamente alteradas por atores que se beneficiam do atraso na ação climática. A presidência do Brasil na COP30 busca endereçar precisamente essa questão: como proteger o processo de tomada de decisão baseado em ciência contra campanhas organizadas de desinformação, agora amplificadas pela inteligência artificial.