Objetivo global de adaptação: como a COP30 pode acelerar a resposta à crise climática

Enquanto a mitigação busca reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a adaptação trata das consequências em curso - Foto: Envato

De enchentes no Rio Grande do Sul a ondas de calor em São Paulo e vendavais no litoral paulista, os impactos da crise climática se tornam cada vez mais perceptíveis. Eventos climáticos extremos expõem a urgência de preparar cidades, populações e ecossistemas para uma nova realidade. É essa a proposta da adaptação climática, um dos temas que deve ter destaque durante a 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção do Clima da ONU, que será realizada em Belém, no Pará, em novembro deste ano.

+ O Brasil na geopolítica do clima: entre o protagonismo e a pressão internacional

+ Coordenador do Fórum do Clima critica Congresso por PL do licenciamento ambiental

O que é Adaptação Climática?

Na prática, a adaptação significa desde restaurar florestas e proteger nascentes para garantir o abastecimento de água até construir sistemas de drenagem urbana para conter enchentes. Ela inclui, também, a instalação de sistemas de alerta precoce, mudanças no zoneamento urbano, criação de telhados verdes para reduzir ilhas de calor, reavaliação de moradias em áreas de risco e transição para cultivos agrícolas mais resistentes a novos padrões climáticos. Ou seja, significa preparar a sociedade como um todo para as mudanças do clima.

Enquanto a mitigação busca reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a adaptação trata das consequências em curso. Para os países em desenvolvimento, que historicamente contribuíram menos para o aquecimento global, a adaptação é uma prioridade. São nações que enfrentam enchentes, secas, ondas de calor e eventos extremos com menos recursos para preveni-los ou reagir a eles. Embora a mitigação seja essencial para frear o aquecimento no longo prazo, a adaptação oferece respostas imediatas à realidade de milhões de pessoas.

Em cidades costeiras, como Nova York e Londres, obras de infraestrutura pesada, como diques móveis e barreiras contra tempestades, foram adotadas para conter a elevação do nível do mar. Em contextos de baixa renda, como em
comunidades de países africanos ou do semiárido brasileiro, soluções baseadas na natureza, como a recuperação de canais fluviais ou o reflorestamento com espécies nativas, são formas eficazes e acessíveis de promover a resiliência à mudança do clima.

O Desafio do objetivo global de adaptação

Além da implementação prática de medidas de adaptação, existe uma negociação técnica e política em curso: o chamado Objetivo Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês). Previsto desde 2015 no Acordo de Paris, o GGA passou anos sem avanços concretos. Isso começou a mudar a partir da COP26, em Glasgow, e, principalmente, na COP28, em Dubai, com o lançamento da estrutura dos Emirados Árabes Unidos (EAU) para a resiliência climática global. A expectativa é que Belém consolide esse processo.

“O GGA tem três pilares que consistem em reduzir vulnerabilidades, fortalecer a resiliência e desenvolver capacidades adaptativas”, explica Daniel Porcel, especialista em políticas climáticas do Instituto Talanoa. Para que isso se torne mensurável, países estão construindo um conjunto de indicadores comuns, que deverão permitir uma visão agregada dos avanços em adaptação no mundo.

Essa padronização, no entanto, é complexa. “Nesse momento, os países tentam reduzir um universo de mais de 9 mil indicadores propostos para uma lista de até 100 que sejam globalmente aplicáveis”, relata Porcel. Esse esforço técnico está sendo conduzido por grupos de especialistas divididos em áreas temáticas, como água, saúde, infraestrutura e biodiversidade. A meta é aprovar essa lista na COP30, dentro do chamado Programa de Trabalho Emirados Árabes Unidos–Belém. A expectativa é que todos os países tenham planos de adaptação nacionais atualizados até 2030 e sistemas de alerta precoce operacionais até 2027.

Segundo Miriam Garcia, gerente de Políticas Climáticas do WRI Brasil, esses indicadores terão aplicação global, permitindo que cada país reporte aqueles que forem mais relevantes às suas circunstâncias específicas. O objetivo é construir um marco gerenciável e baseado em dados, com encargos mínimos de reporte e capaz de acolher as diferentes realidades nacionais. Isso é especialmente importante ao considerar que os mais de 190 países signatários do Acordo de Paris abrangem contextos diversos, desde nações desenvolvidas, como a Noruega, até países menos
desenvolvidos, como a Namíbia. Todos deverão reportar seus avanços com base nesse conjunto comum de indicadores.

Para Gustavo Pinheiro, membro do conselho consultivo da Climate Ventures, um dos grandes desafios é, justamente, conciliar essas realidades diferentes. “Países insulares têm prioridades diferentes daquelas elencadas pelos países florestais. O mesmo acontece com nações com desertificação. O que serve como indicador para um lugar pode não fazer sentido em outro”, explica.

Além disso, países em desenvolvimento enfrentam barreiras técnicas e financeiras para monitorar os dados exigidos, o que compromete a implementação de planos robustos de adaptação. Muitos não dispõem de sistemas consolidados de coleta de dados climáticos ou de capacidades institucionais para processar e aplicar essas informações. Nesse cenário, a lacuna técnica e a ausência de apoio estruturado podem comprometer a efetividade do GGA.

Para Garcia, a operacionalização da meta global depende diretamente de acesso a dinheiro. “A efetividade do GGA depende da mobilização de financiamento climático em escala adequada. No entanto, o que temos visto é um subfinanciamento crônico de adaptação. O GGA pode funcionar como uma ferramenta estratégica para orientar a alocação de recursos ao definir metas e indicadores claros sobre os meios de implementação, ou seja, financiamento, transferência de recurso, transferência tecnológica e desenvolvimento de capacidades”, disse.

Segundo o PNUD, menos de 10% do financiamento climático global é destinado à adaptação, e cerca de 17% desses recursos chegam efetivamente às comunidades locais, justamente onde os impactos climáticos são mais severos. A
maior parte permanece concentrada em níveis nacionais ou institucionais. Para enfrentar essa lacuna, Gustavo Pinheiro, da Climate Ventures, defende a criação de mecanismos financeiros mais eficazes e acessíveis, como fundos dedicados à adaptação, garantias para atrair capital privado e taxas internacionais sobre setores emissores, como aviação e transporte marítimo.

O tema deve ganhar destaque nas negociações da COP30, especialmente porque o compromisso assumido na COP26 — de dobrar os recursos para adaptação até 2025 — ainda está longe de se tornar realidade. Segundo Pinheiro, o volume de financiamento necessário para responder aos impactos climáticos em curso é muito superior ao que vem sendo mobilizado até agora. Uma das principais propostas em discussão é o “Baku–Belém Roadmap”, articulado por Brasil e Azerbaijão, que sugere escalar os investimentos para US$ 1,3 trilhão anuais até 2035. “Triplicar os investimentos em adaptação é o mínimo viável. Só assim conseguiremos proteger as populações mais vulneráveis”, afirma.

Além dos recursos, a operacionalização do GGA também esbarra em questões conceituais. Um exemplo é a inclusão dos chamados ‘meios de implementação’, que são financeiros, tecnológicos e de capacitação, entre os indicadores do GGA. A medida teve forte resistência de países desenvolvidos. “Mesmo se conseguirmos a lista mais bonita do mundo, se não tivermos como monitorar se os indicadores realmente estão sendo implementados, essa lista não vai servir para medir a adaptação a nível global”, sintetiza Porcel.

Apesar das dificuldades, o encontro em Belém é visto como uma oportunidade para resgatar o multilateralismo climático. “O Brasil entende que o GGA é uma entrega factível e importante para reafirmar o Acordo de Paris e o multilateralismo no contexto geopolítico mais adverso em que vivemos atualmente”, diz Porcel.

Garcia, do WRI Brasil, destaca que o GGA pode servir como estrutura de referência para os países. “Ele ajuda a alinhar planos nacionais, a atrair recursos e a promover políticas mais coerentes e mensuráveis”, afirma. Ainda, a agenda da adaptação não deve parar em Belém. Com os impactos climáticos se intensificando mais rápido do que o previsto, a pressão para respostas concretas tende a aumentar.

“Adaptação é a ponte entre clima, pessoas e justiça social. Belém precisa inaugurar uma fase em que isso vire prioridade real com política, com dinheiro e com metas claras”, conclui Garcia.