Os impactos ocultos da moda e os caminhos para a sustentabilidade

Da extração da matéria-prima ao descarte, cadeia têxtil acumula impactos ambientais e sociais que desafiam o setor

Os impactos ocultos da moda e os caminhos para a sustentabilidade

A indústria da moda reflete a sociedade em que está inserida. Marcada por excessos de produção e consumo, ela está na pele da população com as roupas usadas diariamente e na economia global por gerar centenas de milhares de empregos e bilhões de dólares em receita. Mas a abundância tem um preço alto. O setor é responsável por impactos ligados a três crises planetárias: a mudança do clima, a perda de biodiversidade e a poluição.

“As pessoas, às vezes, não imaginam quantos impactos ambientais, sociais e até culturais estão por trás das nossas roupas”, afirma Fernanda Simon, diretora executiva do Fashion Revolution Brasil, em entrevista ao IstoÉ Sustentável. A indústria é responsável por aproximadamente 8% das emissões globais de gases de efeito estufa, resultado de um extenso processo produtivo que envolve extração de matéria-prima, logística de transporte, beneficiamento e tratamento com água e químicos, uso e pós-uso. “A maior parte dessas roupas volta para o meio ambiente como lixo, descartada de forma incorreta”, lamenta.

O modelo produtivo atual não está de acordo com as necessidades do planeta. “A gente vem retirando muitos recursos e transformando em lixo, em resíduos. Falta olhar para uma economia que seja mais circular, que esses materiais sejam pensados desde a extração e desenhados para que voltem para esse sistema”, defende Fernanda. O consumismo agrava o cenário: a produção acontece em volume cada vez mais rápido e de forma descartável. “Isso é muito visível para todos nós. O tanto que a gente consome, o quanto essas roupas hoje têm baixa qualidade e o quão rápido elas são descartadas.”

O cemitério da moda no deserto do Atacama

O lixão no deserto do Atacama, no Chile, tornou-se um caso emblemático. Esse cemitério a céu aberto recebe cerca de 41 mil toneladas de roupas por ano: peças que nunca foram usadas, itens com etiquetas, produtos com pequenos defeitos ou sobras de coleções. A maioria vem do Norte global, evidenciando uma relação desigual entre hemisférios.

As matérias-primas são extraídas do Sul, produzidas, muitas vezes, por mulheres não brancas em situação de extrema vulnerabilidade. As roupas seguem para o Norte, são consumidas em grandes quantidades, e o excedente acaba em aterros como o chileno. A dinâmica se repete em outros lugares. Em Gana, toneladas de peças descartadas chegam, principalmente, da Europa. Em São Paulo, dezenas de galpões tratam resíduos têxteis, com estimativa de 30 a 40 toneladas descartadas por dia só na capital paulista. “Quando a gente olha para esses retalhos, poderíamos pensar em uma economia circular, em que eles voltassem para a cadeia produtiva ou que as roupas fossem pensadas para que não houvesse esses retalhos”, observa Fernanda.

Na última década, a discussão sobre o consumo de fast fashion ganhou força, motivada por questões sociais e violações de direitos humanos. Casos emblemáticos de situações degradantes deveriam ter conduzido a uma produção mais responsável. No entanto, a velocidade aumentou. “Podemos dizer que é até frustrante. Durante anos a gente vem realizando o índice de transparência da moda, cobrando das grandes varejistas mais transparência, e estava acontecendo um progresso. Só que agora vem a chegada da ultra fast fashion“, reconhece Fernanda.

A aceleração do fast fashion e seus desdobramentos

Marcas de aplicativo chegam a lançar 10 mil produtos por dia em uma única plataforma. “Quando a gente olha para esses processos produtivos, eles são ainda mais opacos. A gente vem falando tanto sobre transparência e eles chegam sem apresentar isso sobre seus processos”, critica Fernanda. As peças têm qualidade ainda menor e são feitas de matérias-primas derivadas de petróleo, como poliéster e poliamida, hoje os materiais mais utilizados na indústria.

O argumento dessas marcas é a democratização da moda. “A gente sabe que esse é o argumento que elas trazem, e de uma certa forma é válido, queremos que todos participem e tenham acesso. Mas não adianta trazer uma sensibilidade de um lado e prejudicar do outro, porque as pessoas em situação de maior vulnerabilidade são as mais afetadas pela emergência climática”, pondera a diretora do Fashion Revolution.

Os impactos do setor vão além das emissões de carbono. Envolvem agronegócio, mineração e uso intensivo de água. O couro tem conexão direta com o desmatamento no Brasil. A cadeia produtiva do ouro apresenta números preocupantes: menos de 10% do metal vendido no país tem rastreabilidade conhecida. “Quando marcas são questionadas sobre de onde vem, é um processo muito complexo para saber de fato onde e como aquela matéria-prima foi produzida”, explica Fernanda.

Há ainda as questões sociais. O Fashion Revolution surgiu do questionamento “quem fez minhas roupas?”, colocando no centro da discussão as pessoas por trás da produção. Até hoje existe trabalho análogo à escravidão no setor, com violações de direitos trabalhistas e humanos em diversos países, incluindo o Brasil. “O consumidor não precisa ter essa culpa. É sobre lembrar que todos somos cidadãos do planeta Terra e temos capacidade de agir, de levar informações, de trazer questionamentos”, pontua Fernanda. “Quando a gente começa a se perguntar, começa também um processo de descobertas. E quando começamos a ter essas respostas, ficamos mais munidos para buscar soluções e mudanças estruturais, inclusive.”