Há um ano e oito meses à frente da World Climate Foundation no Brasil, Flora Bitancourt se define como uma empresária social apaixonada por construir iniciativas que geram impacto. Com 15 anos de experiência em projetos socioambientais, ela lidera a operação brasileira de uma fundação dinamarquesa que há 16 anos atua na aproximação do setor privado com a agenda climática.
A World Climate Foundation é responsável pela chamada “COP dos Investidores” – o World Climate Summit, considerado o maior evento paralelo à COP — a Conferência das Partes — e voltado especificamente para empresas e investidores. Após ganhar relevância ao longo dos anos como espaço de articulação do setor privado, o evento acontecerá em Belém nos dias 13 e 14 de novembro, simultaneamente à COP30.
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Desde que o G20 e a COP 30 foram confirmados no Brasil, Flora tem se dedicado a articular a presença de empresas na conferência e a construir pontes com o território amazônico. Nesta entrevista, ela fala sobre o papel do setor privado na agenda climática, os desafios do greenwashing e greenhushing, e por que a COP30 não é um ponto final, mas o início da presidência brasileira na agenda climática global.
Como surgiu a operação da World Climate Foundation no Brasil e quais são os principais objetivos?
Trazer a World Climate pro Brasil veio numa perspectiva de colocar o Brasil nesse holofote global. Quando o G20 e a COP 30 foram confirmados no Brasil, me mobilizei para ser agente de articulação intersetorial com organizações internacionais. Há dois anos tenho ido para Belém antes mesmo de assumir a World Climate, nessa construção de pontes com o território para que a chegada da COP 30 não fosse mais um movimento colonizador e sim um processo de construção conjunta. Hoje estamos trabalhando com 35 fornecedores locais, fazendo um impacto real no território.
Por que a presença do setor privado é tão importante na COP?
Desde a COP 29, quando temos uma discussão sobre financiamento nos 1,3 trilhões, fica muito evidente que a presença do setor privado é necessária para atingir essa meta. Começa a se falar da COP da implementação e das soluções. Quando falamos de soluções, falamos de economia real. A gente precisa bater as metas das NDCs brasileiras. Não vamos fazer isso se o setor de transporte, que representa 11% dessa meta, não se transformar, não entender os seus gargalos, as necessidades de eletrificação, de biocombustíveis. Cumprimos esse papel de estimulador do setor privado e tradutor de mundos.
Como você vê a evolução do interesse do setor privado nesses temas?
Sou muito otimista. Cada vez mais estamos conseguindo aproximar o diálogo de impacto socioambiental do negócio. Com toda a jornada ESG, deixou de ser um apêndice, uma coisa que a empresa só faz porque quer ter reputação, e passou a ser uma estratégia de negócio. Quem ainda não linkou a agenda de clima com a estratégia de negócio está atrasado, porque ela é completamente aliada à operação, à gestão de risco, à gestão de eficiência. As empresas estão se empoderando desse conhecimento técnico e traduzindo isso para seus boards para que a tomada de decisão seja baseada em dados reais do quanto as mudanças climáticas vão impactar ou já estão impactando os negócios.
O que se espera dos dois dias da COP dos Investidores?
Ao mesmo tempo que é um evento de encontro e novas discussões, é um evento de anúncios. Vamos ter empresas contando as soluções ou fazendo pledges de investimentos comprometidos para o próximo ano. Teremos o lançamento das coalizões e dos compromissos. Quando falamos de COP da implementação, é justamente mudar o discurso de compromisso para ação. Estamos estimulando os nossos parceiros a mostrar road maps de ação: a partir daqui vamos fazer isso, essa empresa está se comprometendo com isso, anúncios de projetos desenvolvidos ao longo do ano.
Como você avalia o engajamento do setor privado brasileiro especificamente?
A Ana Toni fala muito que a COP já deu certo só pelo que aconteceu de pré-COP. A World Climate participou proximamente de dois grandes movimentos empresariais como a SB COP e o CASE, da Vale, Votorantim, Bradesco, Itaú. São exemplos de redes de setor privado que se juntaram ao longo do ano de forma inovadora. Vai ser uma das maiores COPs com presença do setor privado e o setor privado brasileiro muito engajado. Participei de milhares de fóruns ao longo do ano. A Climate Week de Londres lotada, a de Nova York lotada. Só vejo o apetite crescer.
A volta de Trump aos EUA afetou o compromisso das empresas com o ESG?
Minha visão é que temos que olhar cada vez mais as empresas brasileiras como empresas independentes. Precisamos acelerar o entendimento de que isso é uma discussão de negócio, para não correr o risco de sofrer esse tipo de situação que as empresas americanas sofreram. O que vi na prática é que muitas mudaram o nome e não mudaram a ação, só no sentido de agradar o novo governo, mas sem mudar a estratégia.
Qual é a sua avaliação sobre o greenwashing?
Há reportes que ainda mostram um nível de greenwashing muito grande, e isso afeta diretamente porque faz com que empresas muito sérias deixem de comunicar o que estão fazendo. Estão chamando isso de greenhushing – o silêncio do que está sendo feito, que também tem um impacto negativo muito grande porque parece que a agenda diminuiu. O medo de não comunicar o que se faz é tão perigoso como comunicar a mais. Temos recomendado que as empresas sigam comunicando suas ações, porque o setor privado representa uma parcela muito grande da nossa economia. Se ele não se direcionar a agendas climáticas, a soluções baseadas na natureza, estamos fadados a um desastre.
Por que é importante incluir grandes indústrias poluidoras nessa conversa?
Trabalho muito com discussões difíceis que vão envolver indústrias que têm grande impacto, porque sem a movimentação delas, o impacto negativo é muito maior. Quando mudamos, às vezes, uma pequena fração de uma grande indústria, geramos um impacto gigantesco de deixar de poluir e de investir em soluções verdes. Precisamos estimular o setor privado a entrar nessa conversa sem medo, mas com muita transparência, credibilidade e projetos reais. Precisa ter fiscalização muito grande, mas também sem medo de fazer, para não retrocedermos.
O que fica para depois da COP30?
Nosso trabalho é manter a agenda do setor privado acesa. Espero que todos que participem da COP saiam com uma agenda de ação robusta e entendam que, na verdade, a COP é o início da presidência do Brasil. Quando acontece a COP 30, o Brasil assume a presidência e tem um ano como presidente da cúpula até a COP 31. É interessante fazer essa virada de chave: a COP não é o fim, ela é o começo da presidência do Brasil na agenda.
Qual o legado que ficará para Belém?
O setor privado, a World Climate, se preocupou desde o início em construir uma agenda de diálogo com o território e de legado para a cidade. A mensagem que a Amazônia passa ao sediar essa COP é: qual é a mensagem que os povos da floresta têm para passar? Que ela seja escutada e ecoada como deve, pela importância de se ter a primeira COP na Amazônia.