A preservação ambiental no Brasil passa pelo desenvolvimento econômico das comunidades que habitam os biomas brasileiros. A análise é de Márcio Sztutman, diretor-executivo da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, em entrevista ao IstoÉ Sustentável. Ele defende que a integração entre conservação florestal e geração de renda para povos indígenas e comunidades tradicionais é parte do caminho para combater a crise climática.
Com atuação em 81 países e territórios, a TNC Brasil trabalha nos biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, cada um com desafios distintos. “Cada bioma brasileiro possui suas características não só ambientais e físicas, mas socioeconômicas também”, explica Sztutman. Na Mata Atlântica, onde cerca de 80% da vegetação original foi perdida, o foco está na restauração e na proteção das áreas remanescentes, com impacto direto na segurança hídrica de metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
O Cerrado enfrenta taxas de conversão maiores do que a própria Amazônia, devido à expansão agrícola. “É possível expandir a produção de alimentos, de energia e de fibras sem derrubar novas áreas de Cerrado”, afirma o diretor da TNC. Conhecido como berço das águas, o bioma abriga nascentes de rios que formam bacias como a do São Francisco e os tributários da Amazônia.
Na Amazônia, a maior parte da cobertura florestal permanece preservada, embora existam áreas sob diferentes graus de degradação. “É uma agenda muito forte de floresta em pé, de garantia de que o que existe de floresta seja mantido”, diz Sztutman. A bacia amazônica brasileira tem presença significativa de povos indígenas em terras homologadas, além de territórios quilombolas e comunidades que vivem em reservas extrativistas.
Floresta moldada pela presença humana milenar
Sztutman contrapõe a visão de uma floresta intocada, sem presença humana. Estudos científicos mostram que áreas com densidade elevada de castanhas, açaí e outras espécies resultam do manejo centenário realizado por diversos grupos. As evidências incluem a presença de terra preta, resultado de ocupações antigas, e a concentração de espécies úteis para o consumo humano como resultado de manejo intencional ao longo de gerações.
“A presença humana milenar nessas áreas moldou a estrutura da floresta como é hoje”, afirma Sztutman. “Não dá para dissociar a presença humana de uma floresta. A visão de uma floresta intocada é algo mais mítico do que a realidade.”
Nesse contexto, o conceito de sociobioeconomia ganha força: o desenvolvimento econômico baseado em espécies nativas com o protagonismo das comunidades locais. “Existem desde produtos florestais não madeireiros com potencial econômico, como castanhas e óleos, assim como recursos madeireiros e serviços ambientais”, explica.
O reconhecimento da contribuição das florestas cresce por meio de programas de pagamento de serviços ambientais, por exemplo. “O próprio mercado de carbono não deixa de ser uma forma de reconhecer um serviço ambiental climático, seja pela manutenção do estoque de carbono nas florestas, seja pelo sequestro de carbono”, diz Sztutman.
COP30 e a agenda de adaptação climática
A menos de dois meses da COP30, que será realizada em Belém em novembro, Sztutman identifica três prioridades: a transição do modelo energético para longe dos combustíveis fósseis, o fechamento do déficit de financiamento de 1,3 trilhão de dólares necessário para a transição do atual modelo econômico e a garantia de espaço para que as comunidades locais influenciem as negociações.
Sobre a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C, definida no Acordo de Paris, Sztutman é direto: “A ciência aponta que a meta de 1,5 está praticamente ultrapassada”. Por isso, é preciso se adaptar às alterações do regime climático, tanto para secas quanto para enchentes.
A agenda de adaptação envolve desde a resiliência hídrica de grandes centros urbanos até o manejo integrado do fogo. Em 2024, pela primeira vez, o fogo contribuiu com 50% da perda florestal global — antes, essa parcela ficava entre 15% e 20%. A técnica de manejo envolve medição da biomassa seca e prescrição de queimas controladas em baixa intensidade para evitar grandes incêndios.
No Cerrado, onde o fogo tem papel histórico no ecossistema e permite a floração de espécies adaptadas, o manejo respeita essa dinâmica natural. Na Amazônia e na Mata Atlântica, onde o fogo não faz parte do ciclo natural da floresta, a técnica se torna uma ferramenta de prevenção. “Se a gente tivesse um manejo adequado para reduzir a biomassa, se tivesse treinamento de como identificar fogo e de como combater fogo de forma precoce, a gente teria impactos muito menores”, analisa Sztutman.
Na Amazônia, as estiagens prolongadas criam desafios logísticos severos. Rios que servem como única via de transporte ficam intransitáveis, isolando comunidades e interrompendo fluxos econômicos. A solução passa por planejamento antecipado, como, por exemplo, criar centros de armazenamento durante os períodos de águas altas e garantir que o comércio não seja paralisado quando os rios secam.
A adaptação também exige novas culturas e sementes resilientes. No caso do café, a altitude ideal de produção tende a aumentar devido ao aumento da temperatura. “A gente precisa de novas culturas, novas sementes, novos insumos e um novo tipo de planejamento, e tudo isso atrelado a incentivos públicos”, diz Sztutman.
Para o diretor-executivo da TNC Brasil, um dos legados esperados é o de implementação. “Tivemos diversas COPs focadas no planejamento. Agora vamos falar sobre como a gente implementa, de como é que a gente coloca isso no chão.”
Ele destaca o aspecto simbólico de realizar a conferência na Amazônia. “As últimas três COPs foram realizadas em países com economias baseadas em combustíveis fósseis e em sistemas não democráticos. O Brasil é uma democracia e está realizando uma COP na Amazônia. Isso é muito simbólico, e os símbolos têm poder.”
A expectativa é que grupos indígenas e comunidades tradicionais estejam presentes em peso e influenciem as decisões. “Estando na Amazônia, esse mundo é um mundo distinto, emblemático, simbólico. Isso faz parte do legado da COP30 também.”