A tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre produtos acabados de madeira brasileiros, como compensados, laminados e madeira engenheirada, acendeu um alerta no setor florestal. Embora a madeira em tora e itens da cadeia de celulose tenham ficado de fora da medida, a restrição aos manufaturados pode empurrar empresas certificadas para mercados menos exigentes, com risco de erosão dos ganhos socioambientais acumulados.
A certificação, como a do FSC Brasil (Forest Stewardship Council), exige mais do que a lei manda: passa por auditorias independentes e pelo cumprimento de critérios de manejo, respeito a direitos trabalhistas e relações responsáveis com comunidades locais. Além de oferecer garantias ao consumidor, ela abre portas a mercados que valorizam padrões de sustentabilidade.
É nesse contexto que Elson Fernandes de Lima, diretor-executivo do FSC Brasil, analisa como as mudanças comerciais podem afetar as práticas de manejo e os benefícios associados à certificação. A seguir, leia a entrevista completa com Lima.
Como as tarifas americanas impactam o setor florestal brasileiro e qual é a relação com a certificação FSC?
As salvaguardas ambientais e sociais associadas à certificação são fundamentais para entender esse impacto. Os produtos certificados entregam benefícios que, em sua maioria, são supralegais e vão além do que a legislação exige. Na versão mais recente do padrão FSC, por exemplo, a igualdade de gênero entre trabalhadores passou a ser um requisito explícito. A certificação também exige considerar os impactos nas comunidades do entorno, inclusive povos indígenas e populações tradicionais, e não apenas o que ocorre “dentro da cerca”. Diante do mercado americano, a preocupação é clara: perdas nesse destino podem resultar na perda dessas salvaguardas no Brasil.
Qual a importância dos Estados Unidos como mercado para o Brasil?
Os Estados Unidos foram, no período de 2010 a 2023, o maior importador de produtos florestais brasileiros, absorvendo 19% do volume exportado, seguidos por Holanda, França e China. Nos anos mais recentes, houve intensificação das vendas à Europa, mas os EUA seguem com forte potencial de absorção desses produtos.
Quais produtos foram mais afetados pelas tarifas?
A lista de exceções incluiu todos os subprodutos da cadeia de celulose exportados para os Estados Unidos, como o papel, a celulose bruta e os demais subprodutos. Essa exceção se justifica pelo fato de serem produtos essenciais ao consumo da sociedade americana, como papéis higiênicos, toalhas e fraldas, cuja taxação geraria impacto significativo na economia norte-americana.
Já os mais afetados foram os manufaturados de madeira tropical com beneficiamento, como compensados, laminados, madeira engenheirada, portas, janelas, decks e dormentes ferroviários, que permaneceram sujeitos à tarifa de 50%. Embora representem menor volume, concentram maior valor agregado, pois geram emprego e renda no Brasil. Entre 2010 e 2023, a madeira bruta respondeu por cerca de 75% do volume exportado e ficou nas exceções, justamente o item de menor valor agregado.
Como isso está gerando impactos no Brasil?
Os efeitos já são perceptíveis. O principal risco está na perda das garantias socioambientais associadas à certificação. Há casos concretos. Um exportador de portas que destinava 96% da produção aos EUA registrou demissões e impactos sociais que a certificação não conseguiu contornar no contexto atual. Além disso, houve redirecionamento imediato de cargas. Um manejo certificado de açaí, que exporta polpa e liofilizado para os EUA, precisou desviar um carregamento no porto de Belém para a China na semana de entrada em vigor da tarifa.
Por que as tarifas interferem nas garantias socioambientais?
Quando um mercado exigente deixa de absorver produtos certificados, a produção tende a migrar para compradores menos exigentes, ou para o mercado doméstico, e parte das garantias se perde. Essa mudança pode levar empresas a abandonar a certificação, reduzindo a implementação e o monitoramento de salvaguardas que vão além da lei.
Como é o mercado doméstico brasileiro em relação à certificação?
O mercado interno tem baixa conscientização sobre certificação florestal. O consumidor raramente questiona a origem e a legalidade de móveis, papelaria e materiais de construção. Medir a ilegalidade é complexo, mas estimativas setoriais apontam que até 50% da madeira consumida no país pode ser ilegal, um cenário agravado por pouca checagem de procedência dos produtos.
Que mudanças a certificação promove nas empresas?
A certificação abre novos mercados e pode melhorar processos internos ao longo da cadeia de custódia, ou seja, da rastreabilidade do insumo da floresta ao produto final. Um passo inicial é estabelecer procedimentos claros e escritos, o que eleva a gestão e a avaliação internas. Mesmo quando a empresa decide descontinuar a certificação, fica um legado de melhores práticas, embora se perca o controle sistemático e haja tendência de redução na emissão de novos certificados.
Quais as ameaças para uma cadeia sustentável se essa situação persistir?
No melhor cenário, os produtores conseguem redirecionar parte da produção. Mas não ampliar a certificação, ou perder certificados, abre margem para a ilegalidade e o desmatamento ilegal. A lei americana de devida diligência, a Lacey Act, tem lacunas que a verificação de terceira parte ajuda a suprir. Sem áreas certificadas, cresce a concorrência desleal com madeira ilegal no Brasil e no exterior. No nosso caso, a certificação do FSC não aceita nem mesmo a madeira oriunda de desmatamento legal.
Essa situação é especialmente preocupante no atual contexto de discussões sobre as mudanças climáticas, com a COP30 sendo realizada no Brasil. Como o desmatamento representa a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa no país, todas as medidas de combate ao desmatamento são essenciais, e a certificação se conecta diretamente com as estratégias de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.