Temos que considerar que o sétimo limite planetário foi ultrapassado, diz Rockström

Diretor do Instituto de Potsdam, Johan Rockström fala sobre riscos ambientais, mudança de modelo econômico e o protagonismo brasileiro

Johan Rockström em entrevista à IstoÉ

A estabilidade dos oceanos passou a integrar oficialmente o grupo de limites planetários que foram ultrapassados. A avaliação é de Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático e um dos criadores do modelo científico que define as fronteiras seguras para o funcionamento da Terra. Com base em novos dados e métodos, ele afirmou que o planeta ultrapassou o sétimo de nove limites essenciais para manter a vida como a conhecemos: a acidificação dos oceanos.

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Segundo Rockström, a atualização será apresentada durante a Semana do Clima de Nova York, em setembro, e inclui avanços na forma como os cientistas monitoram os oceanos. “Temos um grupo inteiro de especialistas analisando novas variáveis de controle, porque há fortes evidências de que o oceano está mudando muito rápido”, afirmou.

Entre os indicadores avaliados estão a absorção de calor, os níveis de oxigênio, a presença de microplásticos e o funcionamento da bomba biológica de carbono, mecanismo pelo qual organismos marinhos armazenam carbono no fundo do mar. O grupo também estuda a adição de dois novos indicadores para avaliar a saúde oceânica.

Até o ano passado, o limite da acidificação ainda não havia sido transgredido, embora estivesse próximo da linha de corte. “Com os métodos mais atualizados e os novos dados, infelizmente devemos concluir que também estamos fora do espaço seguro em relação à acidificação”, disse.

A nova constatação agrava o cenário conhecido. “Os seis limites que no ano passado haviam sido avaliados como ultrapassados continuam sendo transgredidos. E continuamos avançando na direção errada”, alertou. Esses limites incluem o clima, a biodiversidade, o uso da terra, o desmatamento de florestas tropicais, temperadas e boreais, os ciclos de nitrogênio e fósforo, a água doce e os poluentes químicos.

Para o cientista, a transgressão múltipla dos limites fragiliza a capacidade do planeta de amortecer os impactos da crise climática. “Em vez de termos um planeta saudável para lidar com o estresse gerado pelo aquecimento global, estamos enfraquecendo sua habilidade de atenuar esse impacto. Já vemos os primeiros sinais de aquecimento acelerado”, afirmou.

A situação dos oceanos é especialmente preocupante porque representa riscos diretos e imediatos. “Mais de 200 milhões de pessoas vivem em regiões costeiras e dependem de pescarias e ecossistemas marinhos saudáveis”, lembrou. Ele destacou que o mundo atravessa um evento de branqueamento de corais em escala global, o quarto registrado na história, causado pelo aquecimento das águas. “Todas as pressões estão recaindo sobre os sistemas marinhos costeiros rasos, incluindo acidificação, sobrepesca e branqueamento. Isso está causando um estresse tremendo nesses ecossistemas”, afirmou.

O balanço geral, segundo ele, é preocupante. “O diagnóstico é sombrio, o paciente está em mau estado e ainda não conseguimos virar a esquina para iniciar o caminho de volta ao espaço seguro”, disse. A confirmação da transgressão de um sétimo limite eleva o tom de urgência. “Em toda a minha carreira profissional, nunca tive tantos motivos para estar tão preocupado quanto hoje”, afirmou. Além dos dados, o cientista apontou um cenário político adverso. “Vivemos em um mundo que está se afastando da ciência e ameaçando reduzir os níveis de ambição para resolver a crise climática”, explicou.

Apesar do quadro grave, Rockstrom acredita que ainda é possível reverter o processo. “A janela ainda está aberta, embora esteja se fechando rapidamente”, disse. Ele também se mostrou mais otimista do que há poucos anos. “Hoje temos muitas evidências de que possuímos as soluções e em escala”, afirmou.

Essas soluções, segundo ele, são competitivas mesmo sem subsídios. “Energia solar, parques eólicos, biomassa para etanol, como o Brasil usa em grande escala, são práticas escaláveis, com melhores resultados para a saúde, melhores resultados econômicos e que não destroem o planeta”, explicou.

O sistema alimentar também poderia ser transformado com benefícios duplos. “Sabemos como produzir comida para alimentar a humanidade sem destruir a biodiversidade, a água doce, o nitrogênio, o fósforo e a terra. Podemos fazer isso. E, se você adota uma alimentação saudável, obtém melhores resultados para a saúde humana e para a saúde planetária”, afirmou.

Para Rockström, os países que resistem às mudanças para descarbonizar a economia assumem grandes riscos. “Estão arriscando perder o abastecimento de água, a segurança alimentar, a competitividade industrial, a segurança energética e a saúde da população”, disse.

A ligação entre saúde e meio ambiente é direta. “A poluição do ar mata entre 7 e 8 milhões de pessoas por ano, mais do que a Covid”, lembrou. Já a má alimentação, principal responsável por 25% das emissões de gases de efeito estufa e pela transgressão de diversos limites planetários, responde pela morte prematura de mais de 10 milhões de pessoas anualmente, explicou.

Mesmo assim, a inércia persiste. “Toda a ciência mostra que estamos assumindo riscos enormes e, ao mesmo tempo, sabemos que existem soluções melhores para todos, e mesmo assim não estamos fazendo nada. Isso gera uma enorme frustração”, reconheceu.

Diante desse contexto, Rockström deposita grandes expectativas na presidência brasileira da COP30. “O Brasil é uma grande economia, tem credibilidade global e está levando a sério a liderança das negociações climáticas”, afirmou. Para ele, integrar ciência e natureza é o único caminho possível. “Não há solução para o problema climático sem proteger florestas, solos, águas e nutrientes”, explicou.